A presença eucarística de Jesus é
real e sacramental. Estes dois termos descrevem uma
tensão que caracteriza toda a nossa vida cristã.
Jesus está realmente presente no pão e vinho consagrados. Segundo a
fórmula da teologia clássica, ele está aqui presente em seu corpo,
sangue, alma e divindade. Esta é uma imensa benevolência de Deus,
um aspecto do cumprimento de sua promessa de permanecer conosco até
o fim dos tempos. Para um católico esta presença real é uma fonte
de alegria, um lugar de intimidade, uma oportunidade de doar-nos a
Cristo, a santificação da casa onde esta presença reside.
Ao mesmo tempo, esta presença é sacramental. É uma presença
simbólica, velada, apropriada para o mundo presente, para a época
em que vivemos entre a Ascensão e a Parusia. A segunda pessoa da
Santíssima Trindade está presente na hóstia, mas ela não é a
hóstia. O Filho de Deus se faz presente no sacramento mas
infinitamente transcende o sacramento. Ele está disponível no
santíssimo sacramento mas não limitado a ele. O sacramento é uma
abençoada prefiguração de uma glória que ainda está por vir.
O mesmo pode e deve ser afirmado
sobre a Bíblia. Ela é a palavra de Deus, a revelação de Deus, mas
a Bíblia não é Deus, e sim, a auto-comunicação de Deus –
aquilo que Deus nos fala. Eu estou dentro da minha palavra; eu me
revelo e me dou quando eu falo; mas não sou a minha palavra, não
caibo em minha palavra. A única vez onde uma palavra falada chegou e
chega a ser igual àquele que o profere é na geração do Filho pelo
Pai.
O que pode nos ajudar a compreender a tensão entre real e
sacramental é a idéia cisterciense de um advento médio da parte de
Cristo. O primeiro advento, como sabemos, tem a ver com Cristo em sua
encarnação, em sua vida divino-humana vivida entre nós em nossa
história, em nosso mundo. O último advento tem a ver com sua volta
em glória, uma glória inimaginável, uma glória que ao chegar em
nosso meio transformar o universo e fará dele novos céus e nova
terra, fará de nosso pobre corpo uma verdadeira imagem de seu corpo
glorioso, fará de nossa experiência de Deus só proximidade sem
nenhuma separação.
Entre estes dois adventos há um
segundo que participa dos elementos dos outros dois. É humilde,
simples, despretensioso, adaptado à nossa capacidade humana de
perceber e acolher, e, simultaneamente, é espiritual, divino,
comunicativo de graça divina e capaz de iluminar e transformar as
nossas vidas.
Todos os sacramentos fazem parte da economia do advento médio; são
verdadeiras visitas, presenças, vindas de Cristo – mas ainda não
são a chegada. Quando vier a chegada, não haverá lugar nenhum para
incerteza ou questionamento. Quando tocar a última trombeta o
significado do seu som não deixará lugar nenhum para ambiguidade.
Os sacramentos, junto com a Bíblia e a Igreja, são a grande ponte
entre o primeiro e o último advento. Por isso São Lucas descreve o
tempo presente com o “tempo da Igreja”.
Existe uma tentação para resolver esta tensão, para escolher só
um dos elementos, o real ou o sacramental. Se ficarmos só com o
real, entramos no ambiente de triunfalismo. Imaginamos que
“Consummatum est” – que com a presença eucarística de
Cristo, a Bíblia e a Igreja Celeste já chegaram e Deus já disse
sua última palavra. Há uma pitada de verdade nisso, de fato muito
bonita, mas que pode ser exagerada em detrimento da virtude de
esperança. Se ficarmos somente com o sacramental, corremos o risco
de nos tornarmos minimalistas, de perder de vista o divino que está
inerente nos grandes dons de Deus, e até de negar a sua verdadeira
sacramentalidade.
Corpus Christi é uma festa que deve despertar gratidão e desejo,
imensa gratidão e intenso desejo. Como ser suficientemente
agradecidos pelo dom do corpo e sangue de Cristo nos tabernáculos
das igrejas do mundo e ainda mais nos tabernáculos personalizados
que somos nós. Devemos sentir a gratidão de uma Elisabete da
Trindade para quem o dia de sua primeira comunhão era o dia
de sua vida – de sua vida nesta terra. Ao mesmo tempo a eucaristia
deve criar não apenas saciedade mas também fome, fome para a
possessão daquele de quem a eucaristia é o sacramento, fome e
confidente esperança. Deus tem mais para nos dar, e mesmo não
podendo ver, ouvir ou conceber este mais, podemos e devemos
desejá-lo. A eucaristia deve estimular o nosso apetite para o
anfitrião da festa. Como lemos no livro de Eclesiástico: Quem me
come, ainda terá fome. Comemos o corpo e sangue do Senhor e temos
fome de tornar-nos uma só coisa com ele. Se podemos manter esta
tensão entre gratidão e desejo – acerca da eucaristia, a divina
revelação, a vida de oração, a vida de comunhão fraterna –
então encontramos o lugar onde está o tesouro, o lugar
cisterciense.
Mosteiro Trapista Nossa Senhora
do Novo Mundo
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