29 agosto 2016

A completar o trabalho

“A contemplação (...) é um dom religioso e transcendente. Não é algo que possamos atingir sozinhos pelo esforço intelectual e o aperfeiçoamento de nossas potências naturais. Não é uma espécie de auto hipnose, resultando da concentração, sobre o nosso próprio ser íntimo, espiritual. Não é fruto de nosso próprio esforço. É dom de Deus que, em sua misericórdia, completa o trabalho oculto e misterioso da criação em nós, iluminando nosso espírito e nosso coração, despertando em nós a consciência de que somos palavras proferidas em sua Única Palavra, e que o seu Espírito Criador (Creator Spiritus) habita em nós e nós Nele. (...) A contemplação é mais do que mera consideração de verdades abstratas sobre Deus. É um despertar, uma apreensão intuitiva com que o amor se certifica da intervenção criadora e dinâmica de Deus em nossa vida cotidiana.”
Novas Sementes de Contemplação, Thomas Merton (Ed. Fisus), 1999, pág. 12

22 agosto 2016

Alegra-te, cheia de graça...

A Anunciação - por Fra Angélico 
“Tardinha. O sossego da tarde está repleto de uma tonalidade bem diferente. O sol fez seu percurso e o quarto está mais escuro. Momento sério. A hora está mais saturada. Faço uma pausa para rezar e olho a imagem da Anunciação, por Fra Angélico, num cartão postal, em clima de fim do Advento que hoje é. Ecce completa sunt omnia quae dicta sunt per angelum de Virgine Maria. Veja, são cumpridas todas as coisas sobre as quais o anjo falara à Virgem Maria – isso foi a antífona após o Benedictus nesta manhã. Durante mais ou menos oito minutos fiquei em silêncio e imóvel e escutava meu relógio e me perguntei se talvez eu pudesse entender algo da obra que Nossa Senhora está preparando. A hora é de uma tremenda expectativa.”
Diálogos com o silêncio – Orações & Desenhos, Thomas Merton
Editado por Jonathan Montaldo – Traduzido por René Bucks (Ed. Fisus), 2003, pág. 145

15 agosto 2016

Em busca de paz - Parte 2

10 de agosto de 1965 – São Lourenço

(Ando assustado com a espantosa clareza da argumentação de Anselmo em De Casu Diaboli. Uma visão da liberdade que é essencialmente monástica, i.e., contida na perspectiva de uma vocação e graça inteiramente pessoais.) A necessidade de oração – a necessidade de sólida alimentação teológica, pela Bíblia, pela tradição monástica. Não experimentação nem diletantismo filosófico. A necessidade de ser inteiramente definido por uma relação com e uma orientação para Deus meu Pai, i.e., uma vida de filiação na qual tudo que distrai dessa relação é visto como absurdo e tolo. Quão real é isto! Uma realidade que devo estar constantemente avaliando, que não pode simplesmente ser tomada por certa. Que não pode perder-se em distrações. Aqui a distração é fatal – leva-nos inexoravelmente ao abismo. Não se requer porém concentração, apenas estar presente. E também trabalhar com seriedade em tudo que há para ser feito – cuidar do jardim do paraíso! Pela leitura, a meditação, o estudo, a salmodia, o trabalho manual e também um pouco de jejum etc. Acima de tudo trabalho da esperança, não a estúpida e frouxa autopiedade do tédio, da acedia.
Merton na intimidade – Sua vida em seus diários,Thomas Merton
Editado por Patrick Hart e Jonathan Montaldo – Traduzido por Leonardo Fróes (Ed. Fisus), 2001, pág. 290-291

08 agosto 2016

Em busca de paz - Parte 1

10 de agosto de 1965 – São Lourenço

A vida solitária, agora que eu me confronto com ela, é assustadora, assombrosa, e constato não dispor de resistência em mim para enfrentá-la. Profunda impressão de minha própria pobreza e, acima de tudo, consciência dos erros que permiti em mim mesmo, junto com esse desejo positivo. Tudo isso é bom. Alegra-me ser abalado pela graça e acordar a tempo de ver a grande seriedade disso. Com isso eu andei apenas brincando, e a vida solitária não admite meras brincadeiras. Ao contrário de tudo que é dito a seu respeito, não vejo como a vida realmente solitária possa tolerar ilusão e autoengano. Parece-me que a solidão arranca todas as máscaras e todos os disfarces. Não tolera mentiras. Tudo, exceto a afirmação direta e categórica, é marcado e julgado pelo silêncio da floresta. ‘Que sua fala seja sim! Sim!’.
Editado por Patrick Hart e Jonathan Montaldo – Traduzido por Leonardo Fróes (Ed. Fisus), 2001, pág. 290

01 agosto 2016

Dai-lhes vós mesmos de comer!

“Pelo menos podia ir ao Harlem e conviver com aquelas pessoas em seus cortiços, viver com aquilo que Deus nos dava como alimento dia após dia, compartilhar minha vida com os doentes, os famintos, os moribundos, com aqueles que nunca tiveram nada e nunca haveriam de ter nada, os párias da terra, uma raça desprezada. Se lá era o meu lugar, Deus me daria a conhecer isso com antecedência e com certeza.”
A Montanha dos Sete Patamares, Thomas Merton (Ed. Vozes), 2ªEd. 2005, pág. 324