26 dezembro 2016

O mistério da Encarnação


“O cristianismo é mais que uma doutrina. É o próprio Cristo vivendo naqueles que uniu a si em um só Corpo Místico. É o mistério pelo qual a Encarnação do Verbo de Deus continua e se estende através dos séculos, penetrando nas almas e na vida de todos os homens, até a consumação final do plano de Deus. O cristianismo é a ‘restauração de todas as coisas em Cristo’ (Ef 1, 10)”

(Vozes, 1963) pág. 13

25 dezembro 2016

Gostar do que Ele gosta

25 de dezembro – Dia de Natal

“Ontem caiu a primeira neve de inverno e, à noite passada, antes da Missa de meia-noite, alguém me disse, com um furtivo sinal, que a neve estava caindo novamente. Assim, a manhã de hoje está linda, mas não apenas porque há muita neve. Ela está rala como o açúcar no mingau dos monges de menos de vinte e um anos que não podem jejuar, e a grama reponta por debaixo dela, em todos os lugares. Nem está bela a manhã porque o céu brilhe, pois está escuro. Faz bonito dia porque é Natal.

(...) Mas o Natal nos é dado para que possamos amar a espécie de humildade que é amor e inclui contrariedades, dificuldades e todas as outras coisas, com alegria. Talvez Ele me dê alguma parte da alegria que sente em estar na manjedoura. Como posso dizer que O amo até que venha a gostar do que Ele gosta? ”

(Mérito, 1954) pág. 166-167

19 dezembro 2016

Pertenço à solidão

13 de dezembro de 1958. Santa Luzia

“(...) A opressiva mistura de objetos, bens, atividades destituídos de significação – a caótica e indiscriminada sucessão de ‘coisas’ boas, más e insignificantes que desabam sobre você a todo instante livros, revistas, comida, bebida, mulheres, cigarros, roupas, brinquedos, carros, drogas. Somem-se a isso a ‘decoração’ da cidade para o Natal, anônima e descaracterizada, e as pessoas a correr de um lado para outro comprando coisas, por uma única e exclusiva razão, que é a de estarmos agora numa época em que todo mundo compra coisas.

Andando por Bardstown, fora da Kroger’s, no frio, saudado por homem, mulher e criança. Pensei que nunca, nunca eu poderia encontrar sentido na vida fora do mosteiro. Sou um solitário e isso é tudo. Gosto bastante de pessoas, mas pertenço à solidão.

Foi bom voltar e cheirar o ar doce das matas e ouvir o silêncio”.
Merton na intimidade
(Fissus, 2001) pág. 152-153

12 dezembro 2016

Bendito é o fruto de teu ventre

“Cristo, desde o berço eu Te conheci por toda parte,
E mesmo que pecasse, eu andava em Ti, e sabia
Que Tu eras meu mundo:
Tu eras a minha França e minha Inglaterra,
Meus mares e a minha América:
Tu eras a minha vida e o ar que respirava.”
Diálogos com o Silêncio – orações e desenhos, Thomas Merton
(Fissus, 2003) pág. 127

05 dezembro 2016

Não se perca nenhum desses pequeninos

“Não vamos para o deserto com o intuito de fugir das criaturas e sim para aprender como encontrá-las. Não nos separamos delas com o fim de não mais nos interessarmos por elas, mas para encontrar o melhor modo de lhes fazer bem.”

(Fissus, 1999) pág. 83

28 novembro 2016

O mistério do Advento...

em nossas vidas, é o início e o fim de tudo, em nós, que não seja Cristo. É o começo do fim da irrealidade, e isso é, certamente, causa de alegria! Mas, infelizmente, nós nos agarramos a nossa irrealidade, preferimos a parte ao todo. Continuamos a ser fragmentos, não queremos ser “um só homem em Cristo”.
 Tempo e Liturgia, Thomas Merton
(Vozes, 1968) pág. 98

21 novembro 2016

Eis minha mãe e meus irmãos

desenho de Thomas Merton

“(...) Mostra-nos o vosso Cristo, Senhora, depois deste nosso exílio, sim, mas mostra-O agora também a nós aqui, enquanto ainda somos peregrinos.(...)

Ó Senhor, como devem ser alegres e felizes aqueles que, ao considerar a si próprios, não encontram neles nada mesmo de especial. (...) Eles são pobres em espírito e possuem dentro de si próprios o reino do céu, pois deixaram de ser notáveis até para si próprios. Mas neles brilha a luz de Deus e eles mesmos e todos que a vêem, Te glorificam, Ó Deus!”

Diálogos com o silêncio, Thomas Merton 
(Editora Fissus, 2003) pág. 25 e 155

14 novembro 2016

Devolver quatro vezes mais

“A renúncia cristã é só o começo de uma divina plenitude. É inseparável da íntima conversão de nosso ser inteiro que se volta de nós mesmos para Deus. É a rejeição da nossa imperfeição, a renúncia da nossa pobreza, para que possamos mergulhar na plenitude das riquezas de Deus e da sua criação, sem recair no nosso próprio nada.”
Homem algum é uma ilha, Thomas Merton
(Editora Agir, 1968) pág. 100

07 novembro 2016

Servos inúteis

“Mas, enquanto fingimos viver em pura autonomia, como senhores de nossa vida, sem mesmo um deus que nos governe, seremos inevitavelmente como o servidor de outro homem ou como o membro alienado de uma organização. Paradoxalmente, quando aceitamos a Deus é que nos tornamos livres, libertando-nos da tirania humana, pois quando o servimos não nos é mais permitido alienar nosso espírito em servidão humana. Deus não convidou os filhos de Israel a deixar a escravidão do Egito; ordenou que o fizessem.”
(Editora Fissus, 1999) pág. 113


Moisés e os hebreus cruzando o Mar Vermelho perseguidos pleo Faraó
Afresco em parede na sinagoga de Dura-Europos (atual Siria). 303 aC-256 dC

31 outubro 2016

O conhecimento amoroso de Deus

“A pura fé, aperfeiçoada pelos Dons do Espírito Santo e transfigurada pela caridade, brota nas profundezas da alma e dá-lhe de beber, em segredo, as águas da verdade divina. Essas águas não são meras proposições sobre Deus, mas a própria presença de Deus mesmo. Mas desde o momento em que a nossa contemplação transcende aos claros conceitos, e a inteligência entra nas trevas divinas, o nosso conhecimento de Deus é dominado pelo amor e flui do amor. Isto é tão verdadeiro que muitos Padres da igreja escreveram, como fez o cisterciense Guilherme de S. Thierry, Amor Dei ipsa est notitia: ‘O amor de Deus é o nosso conhecimento Dele’. Conquanto teologicamente vaga, esta proposição carrega uma verdade significativa, a que S. João da Cruz dá muita ênfase, e que recebe de S. Tomás de Aquino uma definição precisa.”
Ascensão para a verdade, Thomas Merton
(Editora Itatiaia, 1999) pág. 200

24 outubro 2016

De Merton a Martin: Uma canção profética

Thomas Merton e Martin Luther King. Em comunhão no Cristo
“Os impulsos profundos e elementares que conduzem a uma transmutação social têm a sua origem no âmago do coração dos homens cujos pensamentos ainda não foram articulados ou ainda não conseguiram ser ouvidos, e cujas exigências, por conseguinte, são ainda ignoradas, suprimidas e tratadas como se não existissem. Nenhuma revolução existe sem uma voz. A paixão dos oprimidos tem de se fazer ouvida, ao menos entre eles próprios, a despeito da insistência do opressor privilegiado ao afirmar que tais exigências não podem ser reais, nem justas, nem urgentes. Quanto mais é ignorado o clamor dos oprimidos, mais se reforça a si próprio com um poder misterioso que lhe é acrescentado pelo mito, pelo símbolo e pela profecia. Não há revolução sem poetas que sejam também videntes. Não há revolução sem canções proféticas.”
Sementes de destruição, Thomas Merton (Ed. Vozes), 1966, pág. 74 

17 outubro 2016

A messe é grande...

Thomas Merton e Catherine de Hueck Doherty, a Baronesa em
torno do centro comum, o Cristo
“Vendo aqueles rapazes e moças na biblioteca, comecei a perceber um pouco do problema do Harlem. Aqui, logo do outro lado da rua, eu vi a solução, a única solução: fé, santidade. E não era preciso ir longe para encontrá-las.

Se a Baronesa, dando seu tempo, deixando as crianças ensaiar peças, oferecendo-lhes algum lugar onde pudessem ao menos ficar fora da rua, fora da passagem dos caminhões, conseguia reunir em torno dela almas como dessas santas mulheres e formar, em sua organização, outras que eram igualmente santas, fossem elas brancas ou de cor, não tinha apenas realizado seu ideal, mas poderia também, pela graça de Deus, transfigurar a face do Harlem. Tinha diante de si várias medidas de farinha e já havia à disposição um pouquinho de fermento. Conhecemos a maneira de Cristo operar. Não importa quão impossível a coisa possa parecer do ponto de vista humano; podemos acordar um dia e constatar que toda a massa está fermentada. Isso pode ser feito com santos!

Quanto a mim, soube logo que era bom estar ali e, por duas ou três semanas, apareci todas as noites; jantava com a pequena comunidade no apartamento e depois recitávamos em inglês as Completas, dispostos em dois coros na sala estreita. Era a única vez que faziam algo que as assemelhava a uma comunidade religiosa, mas nada havia de formalmente litúrgico. Era uma iniciativa totalmente familiar.

Depois disso dedicava-me, por duas ou três horas, à tarefa do que eufemisticamente se chamava ‘tomar conta dos aprendizes’. Eu ficava no armazém, onde era sua sala de jogos, tocava piano mais para mim do que por outra coisa e procurava, por algum tipo de influência moral, manter a paz e prevenir alguma briga mais séria (...). Mas na maior parte do tempo tudo era paz. Jogavam pingue-pongue e monopólio. Para um garotinho eu cheguei a desenhar uma imagem da Santíssima Virgem.”
A montanha dos sete patamares, Thomas Merton (Editora Vozes), 2ª Edição, 2010, pág. 315

10 outubro 2016

Um sinal para nós

“Deus se dá àqueles que se dão a Ele. A maneira não importa muito, contanto que seja a maneira que Ele escolheu para o nosso caso. Acho que posso me aproximar de Deus tanto por meio do estudo dos áridos problemas da teologia moral, como pela leitura dos mais ardentes textos místicos. Pois é a vontade de Deus que eu, como sacerdote, conheça minha teologia moral. O dever não deve ser enfadonho. O amor pode torná-lo belo e enchê-lo de vida. Enquanto estivermos preocupados em traçar linhas divisórias entre o dever e o prazer no mundo do espírito, estaremos afastados de Deus e de sua alegria.”
O signo de Jonas, Thomas Merton (Ed. Mérito), 1954, pág. 324

03 outubro 2016

Vai e faze a mesma coisa

 
O bom samaritano  -  Vincent Van Gogh
“A Igreja, que Cristo ‘comprou com seu sangue’ (At 20,28), é chamada a manter vivo na terra esse insubstituível clima de misericórdia, verdade e fé, no qual a alegria criativa e doadora de vida da reconciliação em Cristo não só permanece sempre possível, como é uma realidade contínua e sempre renovada. Esse poder da misericórdia, reconciliação e união em Cristo é identificado ao poder que ressuscitou o Próprio Senhor dentre os mortos (Ef 1,19-20; 2,4-6) e venceu o ‘poder’ dos arcontes, os tiranos espíritos que regem ‘este mundo de trevas’ e dominam os filhos da descrença e da desobediência (Ef 2,2). O poder da misericórdia é o poder que nos faz um em Cristo, destruindo todas as divisões (Ef 2, 14-18).”
Amor e vida, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 1ª Edição 2004, pág. 222

26 setembro 2016

Aquele que dentre vós for o menor, esse é o maior

São Pedro penitente - Guido Reni
“O silêncio interior é impossível sem a misericórdia e a humildade.”

Na liberdade da solidão, Thomas Merton (Ed. Vozes), 7ª Ed. 2014, pág. 60

19 setembro 2016

A lâmpada que deve brilhar

“Eu tinha certo receio de todas as regras religiosas como um todo, e este novo passo para o mosteiro não era algo que eu daria apressadamente. Ao contrário, minha mente estava cheia de dúvidas sobre o jejum, a clausura, as longas orações, a vida comunitária, a obediência monástica, a pobreza, etc. E havia muitos fantasmas estranhos dançando nas portas da minha imaginação, todos prontos a entrar, se eu o permitisse. Caso o permitisse, eles me mostrariam como ficaria demente no mosteiro, como minha saúde se abalaria e meu coração baquearia; eu entraria em colapso, seria reduzido a frangalhos e voltaria ao mundo qual destroço moral e físico, sem qualquer esperança. (...)
Tão logo comecei a jejuar, a recusar a mim mesmo certos prazeres e a dedicar tempo à oração, à meditação e aos outros exercícios que fazem parte da vida religiosa, descobri que superava rapidamente minha má saúde, tornava-me saudável, forte e imensamente feliz.”
A montanha dossete patamares, Thomas Merton (Ed. Vozes), 2ª Ed. 2010, pág. 237-238

12 setembro 2016

No limiar do desespero

“Como Deus está próximo de nós, quando, reconhecendo e aceitando a nossa abnegação, lançamos inteiramente em suas mãos os nossos cuidados! Contra toda a expectativa humana, Ele nos sustenta quando é preciso, ajudando-nos a fazer o que parecia impossível. Aprendemos, então, a conhecê-Lo não nessa ‘presença’ que se acha em abstratas considerações (...) mas no vazio de uma esperança que pode chegar ao limiar do desespero. (...) A esperança está sempre prestes a converter-se em desespero, mas sem nunca chegar, porque, no instante supremo da crise, o poder de Deus se perfaz, de repente, em nossa fraqueza.”
Homem algum é uma ilha, Thomas Merton, (Ed. Agir) 5ª Edição, 1968, pág. 172

05 setembro 2016

Humildade, fé e caridade

“O sentido todo da vida consiste em espiritualizar nossas atividades pela humildade e a fé, e em silenciar nossa natureza pela caridade.”
Na Liberdade da Solidão, Thomas Merton (Ed. Vozes), 7ª Ed. 2001, pág. 90

29 agosto 2016

A completar o trabalho

“A contemplação (...) é um dom religioso e transcendente. Não é algo que possamos atingir sozinhos pelo esforço intelectual e o aperfeiçoamento de nossas potências naturais. Não é uma espécie de auto hipnose, resultando da concentração, sobre o nosso próprio ser íntimo, espiritual. Não é fruto de nosso próprio esforço. É dom de Deus que, em sua misericórdia, completa o trabalho oculto e misterioso da criação em nós, iluminando nosso espírito e nosso coração, despertando em nós a consciência de que somos palavras proferidas em sua Única Palavra, e que o seu Espírito Criador (Creator Spiritus) habita em nós e nós Nele. (...) A contemplação é mais do que mera consideração de verdades abstratas sobre Deus. É um despertar, uma apreensão intuitiva com que o amor se certifica da intervenção criadora e dinâmica de Deus em nossa vida cotidiana.”
Novas Sementes de Contemplação, Thomas Merton (Ed. Fisus), 1999, pág. 12

22 agosto 2016

Alegra-te, cheia de graça...

A Anunciação - por Fra Angélico 
“Tardinha. O sossego da tarde está repleto de uma tonalidade bem diferente. O sol fez seu percurso e o quarto está mais escuro. Momento sério. A hora está mais saturada. Faço uma pausa para rezar e olho a imagem da Anunciação, por Fra Angélico, num cartão postal, em clima de fim do Advento que hoje é. Ecce completa sunt omnia quae dicta sunt per angelum de Virgine Maria. Veja, são cumpridas todas as coisas sobre as quais o anjo falara à Virgem Maria – isso foi a antífona após o Benedictus nesta manhã. Durante mais ou menos oito minutos fiquei em silêncio e imóvel e escutava meu relógio e me perguntei se talvez eu pudesse entender algo da obra que Nossa Senhora está preparando. A hora é de uma tremenda expectativa.”
Diálogos com o silêncio – Orações & Desenhos, Thomas Merton
Editado por Jonathan Montaldo – Traduzido por René Bucks (Ed. Fisus), 2003, pág. 145

15 agosto 2016

Em busca de paz - Parte 2

10 de agosto de 1965 – São Lourenço

(Ando assustado com a espantosa clareza da argumentação de Anselmo em De Casu Diaboli. Uma visão da liberdade que é essencialmente monástica, i.e., contida na perspectiva de uma vocação e graça inteiramente pessoais.) A necessidade de oração – a necessidade de sólida alimentação teológica, pela Bíblia, pela tradição monástica. Não experimentação nem diletantismo filosófico. A necessidade de ser inteiramente definido por uma relação com e uma orientação para Deus meu Pai, i.e., uma vida de filiação na qual tudo que distrai dessa relação é visto como absurdo e tolo. Quão real é isto! Uma realidade que devo estar constantemente avaliando, que não pode simplesmente ser tomada por certa. Que não pode perder-se em distrações. Aqui a distração é fatal – leva-nos inexoravelmente ao abismo. Não se requer porém concentração, apenas estar presente. E também trabalhar com seriedade em tudo que há para ser feito – cuidar do jardim do paraíso! Pela leitura, a meditação, o estudo, a salmodia, o trabalho manual e também um pouco de jejum etc. Acima de tudo trabalho da esperança, não a estúpida e frouxa autopiedade do tédio, da acedia.
Merton na intimidade – Sua vida em seus diários,Thomas Merton
Editado por Patrick Hart e Jonathan Montaldo – Traduzido por Leonardo Fróes (Ed. Fisus), 2001, pág. 290-291

08 agosto 2016

Em busca de paz - Parte 1

10 de agosto de 1965 – São Lourenço

A vida solitária, agora que eu me confronto com ela, é assustadora, assombrosa, e constato não dispor de resistência em mim para enfrentá-la. Profunda impressão de minha própria pobreza e, acima de tudo, consciência dos erros que permiti em mim mesmo, junto com esse desejo positivo. Tudo isso é bom. Alegra-me ser abalado pela graça e acordar a tempo de ver a grande seriedade disso. Com isso eu andei apenas brincando, e a vida solitária não admite meras brincadeiras. Ao contrário de tudo que é dito a seu respeito, não vejo como a vida realmente solitária possa tolerar ilusão e autoengano. Parece-me que a solidão arranca todas as máscaras e todos os disfarces. Não tolera mentiras. Tudo, exceto a afirmação direta e categórica, é marcado e julgado pelo silêncio da floresta. ‘Que sua fala seja sim! Sim!’.
Editado por Patrick Hart e Jonathan Montaldo – Traduzido por Leonardo Fróes (Ed. Fisus), 2001, pág. 290

01 agosto 2016

Dai-lhes vós mesmos de comer!

“Pelo menos podia ir ao Harlem e conviver com aquelas pessoas em seus cortiços, viver com aquilo que Deus nos dava como alimento dia após dia, compartilhar minha vida com os doentes, os famintos, os moribundos, com aqueles que nunca tiveram nada e nunca haveriam de ter nada, os párias da terra, uma raça desprezada. Se lá era o meu lugar, Deus me daria a conhecer isso com antecedência e com certeza.”
A Montanha dos Sete Patamares, Thomas Merton (Ed. Vozes), 2ªEd. 2005, pág. 324

25 julho 2016

Servidor

“A Baronesa estava no banco da frente falando com alguém. De repente voltou-se para trás e me perguntou:

-Bem, Tom, quando vai para o Harlem de vez?

A simplicidade da pergunta me pegou de surpresa. Contudo, por mais brusca que tenha sido, talvez estivesse aí minha resposta. Será que era isso que eu estava pedindo em minhas orações?(...)

E assim ficou quase certo de que eu iria para o Harlem, ao menos por um tempo.”
A Montanha dos Sete Patamares, Thomas Merton (Ed. Vozes), 2ªEd. 2005, pág. 324

18 julho 2016

Um sinal realizado por ti

“O signo de Jonas prometeu à geração que não o compreendera foi o ‘signo de Jonas, o profeta’ - isto é, o signo de Sua própria ressurreição. A vida de todo monge, de todo sacerdote, de todo cristão, é marcada pelo signo de Jonas, porque todos vivemos pelo poder da Ressurreição de Cristo. Sinto, porém, que minha vida está especialmente marcada por esse grande signo, que o batismo e a profissão monástica marcaram a fogo nas próprias raízes do meu ser, porque, como o próprio Jonas, me vejo viajando para o meu destino no ventre de um paradoxo.”
O signo de Jonas, Thomas Merton (Ed. Mérito), 1954, pág. 7

11 julho 2016

A razão na vida contemplativa

“Seria, contudo, um erro fatal supor que a purificação da alma, em que a razão tem papel tão importante, se opera inteiramente ao nível da virtude natural. Dizendo que todos os poderes da alma devem ser ordenados pela razão, S. João não diz que eles devam conformar-se a um ideal racional e natural. Não se trata aqui de uma purificação ética ou moral. S. João não considera o nível de perfeição segundo o qual os homens deixam de enganar uns aos outros nos negócios, ir à missa aos domingos, dar esmolas aos pobres, emprestar a cortadeira de grama ao vizinho sem praguejar mesmo baixinho. Quando ele fala que ‘os poderes da alma devem ser dominados pela razão’, fala da perfeição sobrenatural consumada sob o impulso da graça, segundo os princípios revelados pela fé.”
Ascensão para a verdade, Thomas Merton (Ed. Itatiaia), 1999, pág. 121

04 julho 2016

Caridade: Gratidão e misericórdia

“Amar a Deus é tudo. E amar é bastante. Nada mais tem valor, exceto, e na medida em que seja transformado e elevado pela caridade de Cristo. Mas a coisa mais insignificante, tocada pela caridade, se transforma imediatamente e se torna sublime.
Os dois aspectos mais característicos da caridade divina no coração de um sacerdote são a gratidão e a misericórdia. Gratidão é a maneira como se exprime Sua caridade pelo Pai; misericórdia é a expressão da caridade de Deus, agindo Nele e atingindo por Seu intermédio os seus semelhantes. Gratidão e misericórdia encontram-se e fundem-se perfeitamente na Missa, que nada mais é senão caridade do Pai por nós, a caridade do Filho por nós e pelo Pai, a caridade do Espírito Santo, que é a Caridade que nos une ao Pai e ao Filho.”
O Signo de Jonas, Thomas Merton (Editora Mérito), 1954, pág. 210

27 junho 2016

Fuga Mundi

Santo Antão - Pai dos monges
“A vida contemplativa não é nem pode ser uma simples evasão, uma pura negação, uma fuga do mundo em face dos seus sofrimentos, crises, confusões e erros. (...) Esquecer ou ignorar esse fato não exime o monge da responsabilidade na participação de acontecimentos ante os quais o seu próprio silêncio e o seu ‘não-tomar-conhecimento’ poderão constituir uma forma de cumplicidade. (...) Pode-se dizer, em tais casos, que o monge, em sua liturgia, em seu estudo ou em sua vida contemplativa está de fato participando daquilo de cuja renúncia se congratula.”

Sementes de destruição, Thomas Merton (Vozes, 1996), pág. 7

20 junho 2016

Vocare

“Minha ordenação sacerdotal foi, sinto, aquele grande segredo para que nasci. Dez anos antes de ser ordenado, quando vivia no mundo e parecia ser um dos homens do mundo menos capazes de ser sacerdote, compreendi subitamente que minha ordenação era, de fato, assunto de vida ou de morte, de céu ou de inferno. Desde o momento em que pude ainda me encontrar com a inescrutável vontade de Deus, minha vocação se tornou clara. Foi uma mercê e um segredo tão exclusivamente meus, que a princípio não pretendia falar dele a ninguém.” 
O signo de Jonas, Thomas Merton (Ed. Mérito), 1954, pág. 209

13 junho 2016

Comum união

“Pois, quando estamos unidos a Deus no silêncio e na obscuridade e quando nossas faculdades estão elevadas acima do nível de sua atividade própria, repousando na pura, tranquila, incompreensível nuvem que envolve o presença de Deus, nossa oração e a graça que nos é comunicada tendem, por sua própria natureza, a transbordar, derramando-se invisivelmente sobre todo o Corpo Místico de Cristo. Assim, vivendo invisivelmente ligados, pela união ao Espírito de Deus, nós nos influenciamos uns aos outros, muito mais do que poderíamos imaginar, por nossa própria união com Deus, por nossa vitalidade espiritual nele.”
Novas Sementes de Contemplação, Thomas Merton (Fissus), 1999, pág. 267

06 junho 2016

Ad Extra

“Somente quando nossa atividade procede da base na qual consentimos nos dissolver ela tem a fertilidade divina de amor e graça. Só então ela atinge realmente os outros em verdadeira comunhão. Muitas vezes nossa necessidade dos outros não é absolutamente amor, mas apenas a necessidade de sermos sustentados em nossas ilusões, assim como sustentamos as dos outros. Mas, quando renunciamos a essas ilusões, então podemos ir ao encontro dos outros com verdadeira compaixão. É na solidão que as ilusões finalmente se dissolvem.”
Amor e vida, Thomas Merton (Martins Fontes), 1ª Ed. 2004, pág. 25

30 maio 2016

Ad Intra

“Heidegger disse que nossa relação com o que está mais próximo de nós é sempre confusa e sem vigor. O que é mais próximo de nós do que a solidão que é a base de nosso ser? Ela está sempre lá. Precisamente por essa razão ela é sempre ignorada, porque quando começamos a pensar nela sentimo-nos pouco à vontade, (...) na verdade, estamos tão próximos de nós mesmos que não há, realmente, ‘relação’ nenhuma com a base de nosso próprio ser. Será que não podemos ser simplesmente nós mesmos sem pensar nisso? Esta é a verdadeira solidão.”
Amor e vida, Thomas Merton (Editora Martins Fontes), 1ª Ed. 2004, pág. 23

23 maio 2016

Despertar

“Somente no silêncio e na solidão, na tranquilidade da adoração, na paz reverente da oração, na adoração na qual o ego-eu inteiro silencia e se rebaixa na presença do Deus invisível para receber Sua única Palavra de Amor; somente nessas ‘atividades’ que são ‘não-ações’, o espírito desperta verdadeiramente do sonho de uma existência variada, confusa e agitada.”

Amor e vida, Thomas Merton (Martins Fontes, 2004), pág. 22

16 maio 2016

Recebei o Espírito Santo...


“Assim como uma lente concentra os raios do sol num pequenino foco de calor que pode atear fogo a uma folha seca ou a um pedaço de papel, assim o mistério de Cristo no Evangelho concentra os raios da luz de Deus e seu fogo num ponto que inflama o espírito do homem.”

Novas sementes de contemplação, Thomas Merton, Fisus,1999, p. 151

09 maio 2016

Credes agora?

“O homem não pode viver sem alguma forma de fé. A fé, no sentido mais largo, é a aceitação duma verdade sob a evidência de um outro. A essência de toda fé é a submissão do juízo ao critério de um outro, a cuja palavra aceitamos verdades não evidentes à nossa mente. Fé natural ou humana é a aceitação de verdades baseadas na autoridade de outros homens. Fé Sobrenatural é a crença em verdades reveladas por Deus, segundo o testemunho de Deus e por causa da autoridade de Deus que no-las revela.”

Ascensão para a verdade, Thomas Merton (Ed. Itatiaia), 1ª Edição 1999, pág. 30

02 maio 2016

Diálogo

“Teófilo, de memória sagrada, bispo de Alexandria, viajou até Cétia e os irmãos disseram ao abade Pambo: ‘Diga uma ou duas palavras ao bispo, para que sua alma seja edificada.’ O ancião respondeu: ‘Se ele não for edificado pelo meu silêncio, não há esperança de que o seja pelas minhas palavras.’”

A sabedoria do deserto, Thomas Merton 
(Martins Fontes, 2004), pág. 82

26 abril 2016

Ide pelo mundo...


pequeno Thomas por volta dos 5 anos de idade
“Lembro-me de um dia em que tive grande vontade de ir à igreja, mas não fomos. Era domingo. Talvez o domingo de Páscoa, provavelmente em 1920. Do outro lado dos campos, além da casa vermelha do sítio vizinho, eu conseguia ver a torre da igreja de São Jorge sobressaindo entre as árvores. O som dos sinos da igreja chegava a nós através dos campos ensolarados. Eu brincava diante da casa e parei para escutar. De repente todos os passarinhos começaram a cantar nas árvores em cima da minha cabeça. O som do canto dos passarinhos e dos sinos tocando encheu meu coração de alegria. Gritei ao meu pai:
— Pai, todos os passarinhos estão na igreja deles.

E depois eu disse: — Por que não vamos à igreja?

Meu pai levantou a cabeça e disse: — Nós iremos.

— Agora? — perguntei.

— Não, é muito tarde. Mas iremos num outro domingo.”

A montanha dos sete patamares, (Editora Vozes, Petrópolis), 2005, pág. 15

18 abril 2016

Valores universais


"Gandhi tinha o maior respeito pelo cristianismo, por Cristo e pelo Evangelho. Seguindo seu caminho da satyagraha* acreditava seguir a Lei de Cristo. Seria difícil provar estar ele inteiramente enganado nessa crença ou que fosse ele, em qualquer grau, insincero.

Uma das grandes lições da vida de Ghandi é a seguinte: Ele, um indiano, descobriu, através das tradições espirituais do Ocidente, sua herança indiana e, com ela, seu reto pensar. Ora, na fidelidade à sua própria herança e ao seu sadio equilíbrio, pôde apontar aos homens do Ocidente e de todo o mundo um meio de recuperar o reto pensar dentro de sua própria tradição, manifestando, assim, o fato de que existem certos valores essenciais e indiscutíveis – religiosos, éticos, ascéticos, espirituais e filosóficos – sempre necessários ao homem e que, no passado, conseguiu ele adquirir.

Valores sem os quais não pode viver, valores atualmente em grande escala por ele perdidos, de modo que, sem preparação para enfrentar a vida de maneira plenamente humana, corre agora o risco de destruir-se completamente. Esses valores podem ser denominados “religião natural” ou “lei natural”, seja como for, o cristianismo admite sua existência, pelo menos como preâmbulos à fé e à graça, se não, por vezes, muito mais que isso (Rm 2, 14-15; At 17, 22-31).

Esses valores são universais e é difícil ver-se como possa haver alguma “catolicidade” (cath-holos significa “tudo abranger”) que, mesmo implicitamente, os exclua. Uma das marcas da catolicidade é precisamente a de que valores em toda parte naturais ao homem se realizem, no mais elevado nível, na Lei do Espírito e na caridade cristã. Uma 'caridade' que exclui esses valores não pode reivindicar para si o título de amor cristão."

*Uma palavra fabricada por Gandhi. Sua raiz significa “apegar-se à verdade” e, por extensão, resistência pela não-violência.


Gandhi e a não violência, Thomas Merton (Editora Vozes), 1967, pág. 16 e 17

11 abril 2016

Amor, solidão e verdade


"Como podemos redescobrir essa verdade?
Só quando não mais precisarmos buscá-la – pois, enquanto a buscamos, deixamos implícito que a perdemos. Mas, na realidade, reconhecer-nos enraizados na nossa verdadeira base, o amor, é reconhecer que não podemos ser sem ele.
Esse reconhecimento é impossível sem uma solidão pessoal básica."

Amor e vida, Thomas Merton (Martins Fontes, 2004), pág. 19

04 abril 2016

A experiência mística da contemplação

“A verdadeira experiência mística de Deus e a suprema renúncia a tudo fora dele coincidem. São dois aspectos da mesma coisa. (...) A união da luz simples de Deus com a luz simples do espírito do homem, no amor, é contemplação.”

Novas sementes de contemplação, Thomas Merton (Editora Fisus), 1999, pág. 263 e 284

27 março 2016

Domingo de Páscoa | Vencendo a morte


28 de março de 1948. Domingo de Páscoa.


"Todas as antífonas de alleluia da Páscoa voltam-me à cabeça como ricas associações dos dias mais felizes da minha vida – as sete temporadas pascoais que já passei no mosteiro, sendo a sétima a que está começando agora: a sabática.
Todas as macieiras floriram na Sexta-feira Santa. Esfriou e choveu, mas hoje está muito claro, com o céu bem limpo. O salgueiro está todo verde. Tudo está em botão.
E, no meu coração, a paz mais profunda, a claridade de Cristo, lúcida e serena e sempre presente como a eternidade. Nessas grandes festas somos levados ao topo de um platô na vida espiritual para termos uma nova visão de tudo. Principalmente na Páscoa. A Páscoa é como o que há de ser, quando, entrando na eternidade, brusca, tranquila e claramente você reconhece seus erros, todos eles, bem como tudo o que fez bem: cada coisa se encaixa em seu lugar.”

Merton na Intimidade – Sua vida em seus diários
 (Editora Fisus, 2001) pág. 61

26 março 2016

Sábado Santo | Atmosfera de oração e de silêncio


“A intenção simples é medicina divina, é bálsamo que acalma as potências da nossa alma feridas pelo excesso de expressão subjetiva. Ela cura os nossos atos na sua secreta fraqueza, e atrai a nossa força às alturas ocultas do nosso ser, e banha o nosso espírito na infinita misericórdia de Deus. Ela nos fere a alma para medicá-la em Cristo, pois a intensão simples revela a presença e a ação de Cristo em nossos corações. Ela faz de nós perfeitos instrumentos de Cristo e transforma-nos em sua semelhança, enchendo a nossa vida inteira da sua brandura e da sua força, da sua pureza, da sua oração e do seu silêncio. Tudo que se oferece a Deus com reta intenção é aceito por Ele. Tudo que se oferece a Deus com intenção simples, Ele aceita não só por causa da nossa boa vontade, mas porque Lhe é agradável em si mesmo.”
Homem Algum É uma IlhaThomas Merton 
(Editora Agir, 1968) pág. 78 e 79

25 março 2016

Sexta-feira da Paixão | O sofrimento

"SOMENTE os SOFRIMENTOS de Cristo tem valor aos olhos de Deus. Deus odeia o mal, e para Ele é como símbolos que eles têm valor. O infinito sentido e valor da morte de Jesus na cruz não se devem ao fato de ser uma morte, mas sim de ser a morte do Filho de Deus. A cruz de Cristo não diz nada do poder do sofrimento ou da morte. Ela só fala do poder dAquele que venceu o sofrimento e a morte quando ressurgiu do túmulo.

As chagas que o mal imprimiu na carne de Cristo devem ser adoradas não por serem chagas, mas por serem as Suas chagas. Nem as adoraríamos se Ele tivesse simplesmente morrido delas, sem ressuscitar. Pois Jesus não é só alguém que uma vez amou tanto os homens a ponto de morrer por eles. Ele é um homem cuja natureza humana subsiste em Deus, de modo que Ele é uma pessoa divina. O Seu amor por nós é o amor infinito de Deus, mais forte do que o mal e invulnerável à morte.


O sofrimento, pois, só pode ser oferecido a Deus por quem acredita que Jesus não está morto. E é da essência mesma do cristianismo enfrentar o sofrimento e a morte não por serem bons, nem porque tenham um sentido, mas porque a ressurreição de Jesus os despojou de todo sentido."
Homem algum é uma ilha, Thomas Merton
(Editora Verus, 2003) pág. 79-80