29 dezembro 2008

Contemplação e experiência de paz

“ A verdadeira contemplação é obra de um amor que transcende toda satisfação e toda experiência para repousar na noite da fé pura e nua. Essa fé nos leva para tão perto de Deus que se poderia dizer que o toca e percebe, tal como Ele é, embora na escuridão. E o efeito de um contato assim muitas vezes é uma profunda paz que extravasa sobre as faculdades inferiores da alma, constituindo, assim, uma ‘experiência’. Mas essa experiência ou sentimento de paz continua sempre sendo um acidente da contemplação, de maneira que a ausência dessa ‘sensação’ não significa que nosso contato com Deus tenha cessado.”


New Seeds of Contemplation
, de Thomas Merton

(New Directions, New York), 1961. p. 211
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 208

Reflexão da semana de 29-12-2008

Um pensamento para reflexão: “Jamais teremos perfeita paz interior e recolhimento se não estivermos desapegados até mesmo do desejo de paz e recolhimento. Jamais oraremos perfeitamente enquanto não estivermos desapegados dos prazeres da oração.”
Novas sementes de contemplação, Thomas Merton

22 dezembro 2008

O mistério do Natal, 2008

“ O Mistério do Natal nos impõe uma dívida e uma obrigação para com o resto da humanidade e para com todo o universo criado. Nós que vimos a luz de Cristo somos obrigados, pela grandeza da graça que nos foi dada, a tornar conhecida a presença do Salvador até os confins da terra. Isso faremos não só pregando a boa-nova de sua vinda, mas, sobretudo, revelando-O em nossas vidas. Cristo nasceu para nós hoje para que pudesse aparecer ao mundo todo por nosso intermédio.”
Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 112
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 115
Reflexão da semana de 22-12-2008


Um pensamento para o Natal: “Este dia é o do seu nascimento, mas todos os dias de nossa vida mortal devem ser sua manifestação, sua divina Epifania no mundo que Ele criou e redimiu.”
Tempo e Liturgia, Thomas Merton

15 dezembro 2008

Amor é meu nome

“ Dizer que fui criado à imagem de Deus é dizer que o amor é a razão de minha existência, pois Deus é amor. Amor é a minha verdadeira identidade. Esquecimento de mim mesmo é meu verdadeiro eu. Amor é meu verdadeiro caráter. Amor é meu nome.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1962. p.60
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação (Editora Fissus, Rio de Janeiro). 2001. p.66

Reflexão da semana de 15-12-2008

Um pensamento para reflexão: “Para encontrar o amor, tenho de penetrar no Santuário onde ele está oculto, santuário que é o mistério de Deus.”
Novas Sementes de Contemplação, Thomas Merton

10 dezembro 2008

Silêncio e a arte do poeta

Artigo de Frederick Smock* para o The Courier-Journal, de Louisville, Kentucky

Por ocasião do 40º aniversário da morte de Thomas Merton, quero pensar sobre o silêncio. Sem dúvida, Merton fez voto de silêncio, e foi ocasionalmente silenciado pelo Vaticano. Mas não estou pensando nessas formas de silêncio. Quero, antes, pensar sobre o silêncio e a arte do poeta.

Boa parte da vida do monge é passada em silêncio. Boa parte da vida do poeta também transcorre em silêncio – o poeta só passa uma fração de sua vida escrevendo poemas. Merton era tanto monge como poeta, e, assim, conhecia bem o silêncio. A exemplo da meditação e da oração, a poesia é rodeada de silêncio. A poesia começa e termina em silêncio. O silêncio também é inerente ao poema, como os silêncios entre as notas na música. Como disse um grande poeta chinês, Yang Wan-li, mil anos atrás, “O poema é feito de palavras, sim, mas, tirando as palavras, o poema permanecerá”.

Contudo, quando pensamos em silêncio, não necessariamente pensamos em Merton. Ele foi um homem loquaz e um escritor prolífico. Continua a publicar postumamente. Sempre parece estar falando conosco. As prateleiras rangem sob o peso de sua obra que se acumula. No final da vida, contudo, Merton lamentou o fato de ter escrito tantos editoriais, e não mais poemas e orações – formas que participam do silêncio. “Vejo cada vez mais a necessidade de abandonar minha própria ‘carreira’ absurda de jornalista religioso”, escreveu em seu diário (2 de dezembro de 1959). “Parar de escrever para publicação – exceto poemas e meditações criativas.”

“O que realmente quero fazer?”, perguntou-se Merton em seu diário (21 de junho de 1959). “Longas horas de tranqüilidade no bosque, lendo um pouco, meditando muito, subindo e descendo descalço pelo chão coberto de agulhas de pinheiro.” O que alguém confia a seu diário é, ao mesmo tempo, a versão mais reservada e mais autêntica de si mesmo. Os livros escritos para consumo público não são enganosos, apenas não vêm do mais profundo sentimento. Na festa de Santo Tomás de Aquino, (7 de março de 1961), Merton escreveu em seu diário: “determinado a escrever menos, a desaparecer gradualmente.” Acrescentou, no final dessa anotação, que “a última coisa que desistirei de escrever serão este diário, cadernos e poemas. Mais nenhum livro piedoso.”

A vida é uma jornada em direção ao silêncio, e não só o silêncio da morte. Os jovens falam muito – são barulhentos. Os idosos são reticentes. Afinal, há tanto a ponderar. Os mais velhos tendem a segurar a língua. Conhecem a sabedoria que há em conter-se. O fato de ter visto muitas coisas leva a reservar o julgamento. Nesta era moderna, quando o noticiário e a política são dominados por rostos que falam sem parar, o silêncio se torna um bem precioso. A mera ausência de fala já soa como silêncio. Mas o verdadeiro silêncio é uma presença, não uma ausência. Uma plenitude. Uma riqueza cujo valor depende da pureza da intenção, não apenas da falta de distrações.

Em anotação posterior em seu diário (4 de dezembro de 1968), Merton escreveu sobre a visita às grandiosas estupas de Buda e Ananda em Gil Vihara, Sri Lanka. “O silêncio dos rostos extraordinários. Os estupendos sorrisos. Imensos, e, no entanto, sutis. Cheios de toda possibilidade, questionando nada, sabendo tudo, rejeitando nada…” Ao falar da figura de Ananda, Merton conclui: “Diz tudo. Não precisa de nada. Como não precisa de nada, pode ser silenciosa, despercebida, não descoberta.” Ele também fotografou essas estátuas, focalizando-se em sua serenidade beatífica.

Quando estamos silenciosos, podemos ouvir o vento nas árvores e a água no arroio; isso não é mais eloqüente do que qualquer coisa que possamos ter a dizer? A respeito da vida no eremitério recém construído, Merton escreve em seu diário (24 de fevereiro de 1965): “Não posso imaginar outra alegria na terra além de ter um lugar assim e ali estar em paz, viver em silêncio, pensar e escrever, ouvir o vento e todas as vozes do bosque, viver à sombra da grande cruz de cedro, preparar-me para a morte...”

É irônico um escritor enaltecer o silêncio? Não mais, talvez , do que elogiar a ignorância, que é o que Wendell Berry faz em seu poema “Manifesto: A Frente de Libertação do Agricultor Louco.” Berry escreve: “Viva a ignorância, pois o que o homem não encontrou, também não destruiu.” Então, talvez devamos enaltecer o silêncio, pois o que o homem não disse, não mentiu.

O louvor ao silêncio perpassa as meditações de Merton. Só um exemplo: A respeito de seu ensino aos noviços em Gethsemani, escreveu (04 de julho de 1952) que “entre o silêncio de Deus e o silêncio de minha alma ergue-se o silêncio das almas a mim confiadas.”

Sem dúvida, desde sua morte, Merton tem estado em silêncio – se não silenciado. Também há o suave sussurro, no limiar ao audível, de poemas e orações que ele não viveu para escrever.

*Frederick Smock é diretor do Departamento de Inglês da Universidade Bellarmine. Seu livro mais recente é Pax Intrantibus: A meditation on the Poetry of Thomas Merton (Broadstone Books).

Uma carta sobre a morte de Thomas Merton

Escrita por Pe. Mathew Kelty, OCSO*


Sepultamos Padre Louis [Thomas Merton] ontem atrás da igreja do mosteiro em uma encosta sob um cedro, de onde se tem uma vista ampla das montanhas cobertas de bosques que ele amava. Estranho, pois só ao escrever isto percebi que ele tinha mesmo de ser sepultado lá, onde não há muros obstruindo a vista. A parte do cemitério cercada pelo muro logo atrás da igreja está cheia há alguns anos. Padre Louis está em um lugar aberto de onde se pode ver a beleza do campo ao redor. Combina.

O funeral foi às 15h30 e começou pontualmente. Já estava quase escuro quando chegou o momento de o colocarmos na terra, e caíam umas poucas gotas de chuva. Estava úmido e o frio era em torno de 1º abaixo de zero, diria eu.

O rito foi alegre – nenhuma outra palavra serviria. Havia cerca de quarenta concelebrantes e o arcebispo estava presente, mas não quis ser um deles. Disse que era algo nosso. Na nave, um bom número de pessoas, convidadas, representantes dos mundos em que Padre Louis atuava: escritores, poetas, artistas, pacifistas, freiras, padres, editores, pessoas comuns.

Ele faleceu longe, em meio à preocupação com a vida monástica no Oriente. Sua morte foi confusa; quero dizer, não temos total certeza do que ele morreu: enfarto, acidente com o ventilador elétrico? Mas nos basta o veredicto de que a morte foi acidental. Na confusão inicial, falou-se em fazer uma autópsia. Imagine tentar providenciar algo assim pelo telefone com Bangkok. Isto atrasou seu retorno. Houve demoras frustrantes, e ele chegou aqui bem na hora de seu funeral. O caixão não foi aberto, de forma que tive mesmo razão quando, ao vê-lo partir, pensei: “Nunca mais o veremos.”

Padre John Eudes, nosso próprio médico, olhou-o em Louisville. Que eu saiba, Padre Louis é o único sepultado em um caixão em nosso cemitério, o que combina bem com ele! O caixão era um desses monstros típicos que você tem a impressão de terem saído dos estúdios da Metro-Goldwyn-Mayer. As leituras do Livro de Jonas na Missa foram apropriadas. Diante de nós estava a baleia com Padre Louis dentro.

Padre Dan Walsh, seu primeiro laço com Gethsemani, fez uma boa homilia, sóbria e digna. Tudo correu bem e foi rico em coisas significativas para nós. Enquanto os padres tiravam os paramentos para o enterro, ouviu-se um interlúdio de Mozart que assentou bem no coração.

Não sei como resumir aquele homem; essa idéia nem vem ao caso. Salvo para dizer que ele era uma contradição. Viveu no centro da cruz, onde os dois braços se encontram. Talvez , poderíamos dizer, no coração da vida. Imagino que em nenhum outro lugar a contradição é reconciliada.

Ele era um problema para muitos aqui e em outros lugares. Sei qual é a razão do problema: quero dizer, as tensões aterrorizantes que aquele homem suportou com um tipo de coragem que só o poder de Deus possibilitava. Quando eu estava ao lado dele, sempre sentia que Deus estava perto. E estar perto de Deus é estar perto de algo ao mesmo tempo maravilhoso e terrível. Como o fogo. Queima. As pessoas ficavam sempre tentando sair do lugar que ele criava (simplesmente sendo o que era) para elas encaixando-o em uma ou outra categoria e fazendo com que ele ficasse ali. Dava tão certo como engarrafar neblina! Decidiam que ele era “monge” e o que o monge deveria fazer. Então esperavam que ele o fizesse. Mas ele não fazia. Não podia.

Quando se tornou eremita, decidiam o que é eremita e então viam se ele estava sendo um bom eremita. E ele não estava! A única maneira como eu conseguia viver com ele era amando-o como um todo, como ele era, com todas as suas contradições, e acho que esta é a única maneira de entendê-lo. Esta era a maneira como ele me amava.

Nunca conheci homem mais alegre, mas com tristezas profundas de que era melhor nem falar. Amava a vida monástica, mas a vivia conforme um estilo todo próprio. Tinha um real amor pela vida solitária, mas ninguém aqui tem o amor que ele tinha pelas pessoas, pelo mundo que Deus fez.

Estava acima de tudo que era trivial e miúdo, mas se mantinha a par de tudo e sabia tudo o que estava acontecendo. Podia ser duro como qualquer pessoa, mas era suave e terno como uma criança com um passarinho. Podia ser loquaz e leve, mas também congelar você com sua intensidade e ardor. Seu andar era lépido como o de um homem de vinte anos, mas não conheço muitos que tenham seu senso de compaixão. Amava o mosteiro, mas era crítico de suas fraquezas e tolices. Discutia e argumentava com seu abade assim como um advogado astuto defende uma causa perdida, mas era obediente até o cerne de seu ser. Sua obediência foi testada várias e diversas vezes, e encontrada pura.

Não consigo continuar. Não se recebe com freqüência esse tipo de pessoa das mãos de Deus. Ele é uma testemunha viva de Deus, de Gethsemani, da vida monástica, da Igreja, do mundo. Louvado seja Deus em seus santos agora e para sempre. Amém.

* Monge de Gethsemani, noviço de Thomas Merton e seu confessor nos últimos anos de sua vida.

08 dezembro 2008

Perdoei o universo sem-fim

A data de 10 de dezembro de 2008 marcará o quadragésimo aniversário da morte de Merton e o 67º aniversario do seu ingresso na vida monástica na Abadia de Gethsemani.

[A Voz de Deus foi ouvida no Paraíso:]
“ Sempre protegi Jonas com Minha misericórdia, e não sei absolutamente o que é a crueldade. Viste-me alguma vez, Jonas, filho meu? Misericórdia dentro de misericórdia dentro de misericórdia. Perdoei o universo sem-fim, porque nunca conheci o pecado.

O que era pobre tornou-se infinito. O que é infinito nunca foi pobre. Sempre considerei a pobreza como infinita: não amo absolutamente as riquezas. Prisões dentro de prisões dentro de prisões. Não construais para vós êxtases sobre a terra, onde tempo e espaço corrompem, onde os minutos invadem e furtam. Não te prendas mais ao tempo, Jonas, filho meu, para que os rios não te carreguem.

O que era frágil tornou-se poderoso. Amei o que era mais frágil. Olhei para o que nada era. Toquei o que era sem substância e, dentro do que não era, sou.”

The Sign of Jonas, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace and Company, New York), 1953 p. 362
No Brasil: O Signo de Jonas, (Editora Mérito, São Paulo - Rio de Janeiro), 1954, p. 409-410
Reflexão da semana de 08-12-2008

Um pensamento para reflexão*: “ Senhora, quando naquela noite deixei a Ilha que outrora foi tua Inglaterra, teu amor veio comigo, embora eu não soubesse nem conseguisse me dar conta disso. E era teu amor, tua intercessão por mim, perante Deus, que estava aplacando os mares diante do navio, abrindo meu caminho para outro país.

Eu não sabia ao certo para onde ia, nem podia prever o que faria quando chegasse a Nova York. Mas vias mais longe e mais claro do que eu, e abriste os mares diante do meu navio, cujo trajeto levou-me, cortando as águas, a um lugar com o qual eu jamais sonhara e que, todavia, já estavas preparando para ser minha salvação, meu abrigo, meu lar. Enquanto eu achava que não havia Deus, nem amor, nem misericórdia, me conduzias o tempo todo para o meio do Seu amor e da sua misericórdia e, sem que eu nada soubesse, me levavas para a casa que me ocultaria no segredo da Sua Face.”

A Montanha dos Sete Patamares, Thomas Merton

*Um trecho de uma oração de Merton à Mãe de Deus na data da solenidade de sua Imaculada Conceição, rememorando sua partida da Inglaterra, pela última vez, para viver nos Estados Unidos, estudar na Universidade de Columbia, até encontrar um "lar" na Abadia de Gethsemani.

01 dezembro 2008

Puritas cordis

Puritas cordis [pureza de coração] significa muito mais do que perfeição moral ou mesmo ascética. É o fim de um longo processo espiritual de transformação no qual a alma, perfeita na caridade, desapegada de toda criatura, livre de todos movimentos das paixões desordenadas, é capaz de viver mergulhada em Deus, sendo penetrada, de quando em vez, por intuições vivas de Sua ação, intuições que sondam as profundezas dos mistérios divinos, que ‘entendem’ Deus em uma íntima e secreta experiência, não só de quem Ele é, como do que está fazendo no mundo. A pessoa pura de coração não só conhece a Deus, Ser Absoluto, Ato puro, mas o reconhece como Pai das Luzes, Pai das Misericórdias, que tanto amou o mundo que lhe deu Seu Filho Unigênito para o remir. Essa pessoa O conhece não apenas pela fé, pela especulação teológica, mas por uma íntima e incomunicável experiência.”

Bread in the Wilderness, de Thomas Merton
(New Directions Publishing Corp. New York), 1953 p. 20-21
No Brasil: O Pão no Deserto, (Ed. Vozes, Petrópolis), 1963, p. 33
Reflexão da semana de 01-12-2008


Um pensamento para reflexão
: “A contemplação nos será concedida quando a revelação, que é dada a toda a Igreja nessas palavras inspiradas [dos Salmos], se abrir de repente e se tornar uma experiência pessoal, uma luz mística profunda e transformadora que penetra e absorve todo o nosso ser.”

O Pão no Deserto, Thomas Merton