25 fevereiro 2008

O enterro de Herman Hanekamp

[A anotação abaixo, dos diários pessoais de Merton, relata o funeral de Herman Hanekamp, que não deu certo como noviço em Gethsemani, mas que foi autorizado a viver na Fazenda Linton, de propriedade da Abadia. Quando Herman chegou, Merton escreveu: "Ele veio na chuva com todos os seus pertences em um carro puxado por uma mula. Era uma imagem patética." Muitos na Abadia consideravam Hanekamp um "personagem" e um "vagabundo". Mas Merton atesta, talvez a sério, que, de todos os integrantes da comunidade de Gethsemani que conhecera até então, era como Herman que ele teria gostado mais de ser.]

“ Hoje de manhã fui ao funeral de Herman Hanekamp em New Haven. Começou na geada de manhãzinha. O corpo que estava no velório era o de um milionário, de um grande executivo. Eu nunca vira Herman barbeado, de terno e, ainda menos, de colarinho e gravata. Ele parecia um dos grandes da terra. Carreguei o caixão junto com Andy Boone, e com o velho amigo de Hanekamp Glen Price (um homenzarrão com o rosto vincado como a lateral de uma construção antiga, mas muito humilde e meigo). Os irmãos Clement e Colman também ajudaram a carregá-lo, assim como um homem com uma gravata country…

Quando saímos da igreja para o sol, carregando o caixão, o ar luminoso parecia cheio de grande alegria e um imenso trem de carga atravessava o vale desabalado emitindo um som de poder como um exército. Todo o orgulho do mundo da indústria parecia, de algum modo, ser algo ligado a Herman. Que curiosa obsessão com essa convicção de que ele era um grande homem rico, tremendamente respeitado pelo mundo inteiro! Voltamos para sepultá-lo no cemitério situado perto do portão à saída do mosteiro.


O bosque desfolhado permaneceu sábio e forte ao sol como se orgulhasse de algum grande sucesso conseguido em segredo com sua conivência e consentimento.

Ao carregarmos o caixão pelo cemitério ensolarado, ouvi, encantado: ele era saudado pelo canto das cotovias no segundo dia de janeiro, em pleno inverno.

O que triunfou aqui não é admirado por ninguém, é desdenhado até pelos monges que não conseguiam deixar de pensar em Herman como preguiçoso e escapista. Ele não levara a sério o mundo dos negócios, tão importante para todos nós. E agora ouçam bem - um capitão de indústria!”

Search for Solitude — Journals, Volume 3, de Thomas Merton
Editado por Lawrence S. Cunningham

(HarperSanFrancisco, San Francisco), 1996, p. 245
Reflexão da semana de 25-02-2008

Um pensamento para reflexão: "Herman, que foi noviço aqui (nos dias que precederam a primeira guerra mundial), é um dos pouquíssimos membros, atuais ou passados, da comunidade que eu tive desejo de imitar.”
A Search for Solitude, Thomas Merton

18 fevereiro 2008

Nossa semelhança com Deus começa em casa

“ Dia luminoso e esplêndido, sol brilhante, brisa que deixa reluzentes todas as folhas e o alto capim marrom. Canto do vento nos cedros. Dia exultante no qual até uma poça no chiqueiro brilha como prata preciosa.

Por fim estou chegando à conclusão de que minha mais elevada ambição é ser o que já sou. Que jamais cumprirei minha obrigação para me superar, a não ser se primeiro me aceitar e, se eu me aceitar plenamente da maneira certa, já terei me superado. Isto porque é o eu não aceito que me atrapalha e continuará a me atrapalhar enquanto não for aceito. Quando ele tiver sido aceito, terei meu próprio degrau para o que está acima de mim. Porque foi assim que o ser humano foi feito por Deus. O pecado original foi o esforço de se superar sendo ‘como Deus’ – isto é, diferente de si mesmo. Mas a nossa semelhança com Deus começa em casa. Primeiro temos de tornar-nos como somos e parar de viver ‘ao lado de nós mesmos’.”

Search for Solitude — Journals, Volume 3, de Thomas Merton
Editado por Lawrence S. Cunningham
(HarperSanFrancisco, San Francisco), 1996, p. 220-221
Reflexão da semana de 18-02-2008
Um pensamento para reflexão: “Minha vocação e tarefa neste mundo é manter vivo tudo o que me é utilmente individual e pessoal, ser um ‘contemplativo’ em sentido pleno e compartilhar isto com outros, permanecer como testemunha da nobreza da pessoa e de sua primazia em relação ao grupo.”
A Search for Solitude, Thomas Merton

11 fevereiro 2008

Os bens da vida e a vontade de Deus

“ A verdadeira santidade não consiste em tentar viver sem criaturas. Consiste em usar os bens da vida para fazer a vontade de Deus. Consiste em usar a criação de Deus de tal maneira que tudo que tocamos, vemos, usamos e amamos dê nova glória a Deus. Ser santo significa passar pelo mundo colhendo de cada árvore frutos para o céu e ceifando em cada campo a glória de Deus. O santo é alguém que está em contato com Deus de todas as maneiras possíveis, em todas as direções possíveis. Está unido a Deus pelas profundezas de seu próprio ser. Ele vê e toca Deus em tudo e todos ao seu redor. Onde quer que vá, o mundo soa e ecoa (mesmo silenciosamente) com as profundas harmonias da glória de Deus.”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 137
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 140
Reflexão da semana de 11-02-2008

Um pensamento para reflexão
: “A palavra do Evangelho só é compreendida quando é obedecida. É conhecida por aqueles que se esforçam em praticá-la.”
Tempo e liturgia, Thomas Merton

04 fevereiro 2008

Tempo de cura

“ Mesmo os momentos mais sombrios da Liturgia são cheios de alegria, e Quarta-feira de Cinzas, o início do jejum quaresmal, é um dia de felicidade, é uma festa cristã. Não pode ser de outro modo, uma vez que faz parte do grande ciclo pascal.

O mistério pascal é, acima de tudo, o mistério da vida no qual a Igreja, celebrando a morte e a ressurreição de Cristo, penetra no reino da vida que Ele implantou, uma vez por todas, por sua vitória definitiva sobre o pecado e a morte. Devemos nos lembrar do sentido primitivo da Quaresma, como o ver sacrum, a ‘fonte sagrada’ na qual os catecúmenos eram preparados para o batismo, e os penitentes públicos purificados pela penitência para a restauração da sua vida sacramental em comunhão com o resto da Igreja. Portanto, a Quaresma não é tanto tempo de punição quanto de cura.”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 115
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 117
Reflexão da semana de 04-02-2008

Um pensamento para reflexão: “A compunção é um batismo de tristeza no qual as lágrimas do penitente são uma purificação psicológica, mas, ao mesmo tempo, profundamente religiosa, preparando-o e dispondo-o para águas sacramentais do batismo ou para o sacramento da penitência. Essa tristeza traz alegria, porque é, ao mesmo tempo, um reconhecimento maduro de culpabilidade e uma aceitação de todas as suas conseqüências. Assim, implica um reajuste religioso e moral à realidade, a aceitação de nossa condição atual.”
Tempo e Liturgia, Thomas Merton