27 março 2006

A ideologia política americana

“ Parece-me que as políticas que se contentam em criar uma ‘imagem’ dos Estados Unidos como benevolentes e amantes da paz não têm serventia, porque lhes falta a profundidade e a motivação séria que são absolutamente necessárias para agir de forma construtiva em uma crise mundial. Ao enfrentar a difícil tarefa de ‘assumir a liderança mundial’ em um mundo do qual preferiram permanecer tradicionalmente isolados, os Estados Unidos parecem ter reagido com uma atitude de pânico e truculência adolescentes. A hostilidade, a impopularidade e uma crítica totalmente impiedosa constituíram um teste sério para a ideologia política americana.

Diante do desdém altivo de amigos, assim como do ódio de nossos inimigos confessos, e perguntando-nos o que há em nós para ser odiado, pensamos sobre nós mesmos e concluímos que somos pessoas bastante decentes, inofensivas e fáceis de se lidar, que só querem ser deixadas em paz para ganhar dinheiro e se divertir. A pedra angular de nosso otimismo reconhecidamente nebuloso é que, se todos fossem deixados em paz para cuidar de seus próprios interesses, as leis da economia cuidariam benignamente das necessidades de todos, e todos os que não fossem preguiçosos poderiam enriquecer. Mas esta filosofia de vida é questionada e, por isto, nós também somos forçados a examinar nossas crenças. E, quando as examinamos, descobrimos que não estamos tão seguros de quais são elas. Tendemos a funcionar com base em sentimentos de boa vontade ou civilização, mais do que em convicções com alicerces profundos.”

Peace in the Post-Christian Era de Thomas Merton
(Orbis Books: Maryknoll, New York), 2004, p.18

Reflexão da semana de 27 de março de 2006

20 março 2006

Sem nada para dizer

“ Na sociedade tecnológica, na qual os meios de comunicação e significação tornaram-se fabulosamente versáteis e estão à beira de um desenvolvimento ainda mais prolífico - graças ao computador com sua memória inesgotável e sua capacidade de absorção imediata e organização dos fatos -, a natureza mesma e o uso da própria comunicação tornam-se inconscientemente simbólicos. Embora agora tenha a capacidade de comunicar instantaneamente qualquer coisa em qualquer lugar, o homem se descobre sem nada para dizer. Não é que não haja muitas coisas que poderia comunicar, ou deveria tentar comunicar. Ele deveria, por exemplo, ser capaz de encontrar-se com o seu semelhante e debater os meios de construir um mundo pacífico. É incapaz desse tipo de confronto. Em vez disso, dispõe de mísseis balísticos intercontinentais que podem levar a morte nuclear a dezenas de milhões de pessoas em poucos instantes. Esta é a mensagem mais sofisticada que o homem moderno parece ter para transmitir ao seu semelhante. Ela é, claro, uma mensagem sobre ele mesmo, sua alienação de si e sua incapacidade de entrar em acordo com a vida.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, New York, London), 1985. p. 64-65
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 69
Reflexão da semana de 20-03-2006

13 março 2006

Nós somos o mundo

“ Temos de começar por admitir, francamente, que o primeiro lugar para procurar o mundo não é fora de nós, mas dentro de nós mesmos. Nós somos o mundo. No mais profundo de nosso ser, permanecemos em contato metafísico com toda a a criação da qual somos apenas pequenas partes. Por meio de nossos sentidos e de nossas mentes, de nossos amores, necessidades e desejos, estamos envolvidos, sem possibilidade de evasão, neste mundo de matéria e de homens, de coisas e pessoas, que não só nos afetam e mudam nossas vidas, mas também são afetados e transformados por nós. No momento em que nos sentamos à mesa e colocamos um pedaço de pão na boca, vemos que estamos no mundo e só podemos estar nele até o dia em que morrermos. A questão, portanto, não é especular sobre como entrar em contato com o mundo — como se estivéssemos de alguma forma no espaço sideral —, mas como validar nosso relacionamento, dar-lhe um significado plenamente justo e humano, e torná-lo realmente produtivo e de valor para o nosso mundo.”

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, New York, London), 1985. p. 120
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 127
Reflexão da semana de 13-03-2006

06 março 2006

Nas profundezas do coração

“ Que ninguém espere encontrar na contemplação uma fuga ao conflito, à angústia ou à dúvida. Ao contrário, a certeza profunda, inexprimível, da experiência contemplativa desperta uma trágica angústia e suscita muitas perguntas nas profundezas do coração, como feridas que não cessam de sangrar. A cada avanço na certeza profunda corresponde um aumento de ‘dúvida’ superficial. Essa dúvida não é oposta, de modo algum, à fé autêntica, mas examina sem concessões e questiona a ‘fé’ espúria do cotidiano, a fé humana que não é senão a aceitação passiva da opinião convencional.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 12
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 20
Reflexão da semana de 6-03-2006