26 dezembro 2005

Uma sabedoria diferente

“ Deve haver um momento no dia em que o homem que faz planos os esqueça e aja como se não tivesse feito plano algum.

Deve haver uma hora do dia em que o homem que precisa falar fique em total silêncio. E que sua mente não mais formule raciocínios e ele se pergunte: tinham algum sentido?

Deve haver um tempo em que o homem de oração vai orar como se fosse a primeira vez que ora na vida; quando um homem resoluto põe suas resoluções de lado como se todas tivessem sido quebradas e aprende uma sabedoria diferente: distinguir entre o sol e a luz, entre as estrelas e as trevas, entre o mar e a terra firme, entre o céu noturno e a encosta da colina. ”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, Publishers, New York), 1955. p. 260
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 218
Reflexão da semana de 26-12-2005

19 dezembro 2005

Procurar a Deus com perfeição

“ Nisso consiste, portanto, procurar a Deus com perfeição: afastar-se da ilusão e do prazer, das ansiedades e dos desejos mundanos, dos trabalhos que Deus não quer, da glória que é apenas exibicionismo humano; manter meu espírito livre de confusão, de modo que minha liberdade esteja sempre à disposição de Sua vontade; manter meu coração silencioso para ouvir a voz de Deus; cultivar a liberdade intelectual para com as imagens das coisas criadas, de modo a receber o contato secreto de Deus no obscuro amor; amar todos os homens como a mim mesmo... ”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York), 1972. p. 45-46
No Brasil: Novas Sementes de Contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 52
Reflexão da semana de 19-12-2005

16 dezembro 2005

Entrega total

O retrato pintado por Jim Cantrell através de fotografias, reproduz com grande fidelidade os traços fisionômicos de Thomas Merton.

Deve-se destacar os detalhes nas dobras da cogula, uma veste branca envolvente, usada nas celebrações litúrgicas. Tem forma de cruz, que simboliza a entrega total do monge a Cristo.

12 dezembro 2005

Uma nova auto-descoberta

“ Descobrir a vida contemplativa é uma nova auto-descoberta. Pode-se dizer que é o florescer de uma identidade mais profunda em um plano totalmente diferente da mera descoberta psicológica, uma nova identidade paradoxal que só é encontrada na perda de si. Encontrar a si mesmo perdendo-se a si mesmo faz parte da 'contemplação'. Lembram do que diz o Evangelho Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á? (Mt, 16,25)


Seeds, editado por Robert Inchausti
(Shambhala Publications: Boston & London), 2002. p. 132
Publicado originalmente em Contemplation in a World of Action
(Garden City, NY: Doubleday), 1971. p.352
No Brasil: Contemplação num Mundo de Ação (Ed. Vozes, Petrópolis), 1975, p. 307
Reflexão da semana de 12-12-2005

05 dezembro 2005

O significado de minha vida

“ Tenho certeza de que o significado de minha vida é aquele que Deus quer para ela? Deus impõe de fora um significado para minha vida através de eventos, costumes, rotinas, leis, sistemas, choque com outros na sociedade? Ou sou chamado a criar a partir de dentro, junto com ele, com sua graça, um significado que reflete sua verdade e me faz ser a “palavra” dele falada livremente em minha situação pessoal?

Minha verdadeira identidade está escondida no chamado de Deus pela minha liberdade e resposta para ele. Isto significa que devo usar essa liberdade para amar, com toda responsabilidade e autenticidade, e não apenas recebendo uma forma que me é imposta por forças externas, ou moldando minha vida de acordo com padrões sociais aprovados, mas direcionando meu amor para a realidade pessoal de meu irmão, e abraçando a vontade de Deus em seu mistério nu e, muitas vezes, impenetrável. ”

Seeds, editado por Robert Inchausti
(Shambhala Publications: Boston & London), 2002. p. 132
Publicado originalmente in Cistercian Quarterly Review #18 (1983)
Reflexão da semana de 5-12-2005

28 novembro 2005

Conduzidos à santidade

“ Contentemo-nos em não sermos santos, ainda que compreendamos ser a santidade a única coisa para a qual vale a pena viver. Consentiremos então que Deus nos conduza à santidade por caminhos que não podemos compreender. Viajaremos na escuridão, onde não mais nos preocuparemos conosco nem faremos comparações entre nós e os outros. Os que seguiram esse caminho acabaram por descobrir que a santidade se encontra em tudo, e que Deus os envolve de todos os lados. Tendo desistido de todo desejo de competição com os outros, de repente despertam e descobrem que a alegria de Deus se encontra em toda parte, e são capazes de exultar, alegrando-se com as virtudes e a bondade dos outros, mais do que poderiam ter feito em se tratando de si próprios. Estão a tal ponto deslumbrados pelo reflexo de Deus na alma daqueles com quem convivem, que não têm mais poder algum para condenar qualquer coisa que vêem nos outros. Mesmo nos maiores pecadores conseguem ver virtudes e bondade que ninguém consegue ver. Quanto a si próprios, se ainda pensam em si, não ousam mais comparar-se aos outros. A idéia de fazê-lo tornou-se para eles fora de propósito, mas não é mais fonte de sofrimentos e lamentações; chegaram, enfim, ao ponto onde consideram sua própria insignificância como normal. Não estão mais interessados em seu eu exterior.”

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton.
(New Directions, New York), 1972. p. 59-60
No Brasil: Novas sementes de contemplação, (Editora Fissus, Rio de Janeiro), 2001. p. 65-66.
Reflexão da semana de 28-11-2005

21 novembro 2005

Criatividade

“ Toda a vida cristã destina-se a ser ao mesmo tempo profundamente contemplativa e rica em obra ativa. (…) É verdade que somos chamados a criar um mundo melhor. Mas somos chamados, antes de tudo, a uma tarefa mais imediata e mais elevada: a de criar as nossas próprias vidas. Ao fazer isso, agimos como cooperadores de Deus. Assumimos nosso lugar na grande obra do gênero humano, pois, com efeito, a criação de nosso próprio destino em Deus não pode ser feita em puro isolamento. Cada um de nós realiza o seu próprio destino em inseparável união com todos os outros com os quais Deus quis que vivêssemos. Partilhamos uns com os outros a obra criativa de viver no mundo. E é através da nossa porfia com a realidade material, com a natureza, que ajudamos uns aos outros a criar ao mesmo tempo nosso próprio destino e um mundo novo para os nossos descendentes.

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego), 1979. p. 177.
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 186-187
Reflexão da semana de 21-11-2005

17 outubro 2005

Admiração por meus atos

“ O profundo mistério do meu ser freqüentemente me é oculto pelo conceito que faço de mim mesmo. A idéia que faço de mim mesmo é falsificada pela admiração que tenho por meus atos. E as ilusões que acalento a meu respeito são produzidas pelo contágio das ilusões de outros homens. Cada qual procura imitar a imaginária grandeza do outro.

Se não me conheço, é que penso ser a espécie de pessoa que meu círculo desejaria que eu fosse. Talvez nunca me tenha perguntado se realmente desejo ser aquilo que os outros parecem querer de mim. Se somente me desse conta de que não admiro o que todos parecem admirar, talvez começasse a viver realmente. Passaria a me ver liberto do doloroso dever de dizer o que realmente não penso e de agir de uma forma que atraiçoa a verdade de Deus e a integridade da minha alma.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace Jovanovich Inc., New York), 1983. p. 125-126
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 115-116
Reflexão da semana de 17-10-2005

10 outubro 2005

Encontro com o outro

“ O amor é a revelação de nosso mais profundo valor, identidade e significação pessoal. Mas essa revelação permanece impossível enquanto formos prisioneiros de nosso egoísmo. Não posso me encontrar em mim mesmo, somente num outro. Meu verdadeiro sentido e valor me são mostrados não na avaliação que faço de mim mesmo, mas nos olhos daquele que me ama; e este deve me amar como sou, com minhas falhas e limitações, revelando-me a verdade de que essas falhas e limitações não podem destruir meu valor a seus olhos; e que tenho, portanto, valor como pessoa, a despeito de minhas falhas, a despeito das imperfeições do meu “pacote” exterior. O pacote não tem nenhuma importância. O que importa é essa mensagem infinitamente preciosa que só posso descobrir no meu amor por uma outra pessoa. E essa mensagem, esse segredo, não me é plenamente revelado a menos que, ao mesmo tempo, eu seja capaz de ver e compreender o valor único e misterioso daquele que amo.

Love and Living, de Thomas Merton
Editado por Naomi Burton Stone e Patrick Hart, OCSO
(A Harvest/HBJ Book, Harcourt Brace Jovanovich, San Diego), 1979. p. 35
No Brasil: Amor e Vida, (Martins Fontes Editora, São Paulo), 2004. p. 36-37
Reflexão da semana de 10-10-2005

05 setembro 2005

Bastará o medo?

“ Onde há um amor profundo, simples, total, pelo homem, inclusive por todos os seres vivos, e ainda mesmo pelas coisas inanimadas, haverá então respeito pela vida, pela liberdade, pela verdade, pela justiça, e haverá um amor humilde por Deus. Mas quando não houver amor pelo homem, nem amor pela vida, então podemos fazer as leis que quisermos, baixar todos os editos, celebrar todos os tratados, promulgar todos os anátemas, poderemos levantar todas as barreiras, promover todas as inspeções, encher o espaço de satélites-espiões e até mesmo pendurar na lua máquinas fotográficas. Enquanto considerarmos o nosso próximo como um ser a quem devemos essencialmente temer e odiar, de quem devemos desconfiar e a quem devemos destruir, — não haverá possibilidade de paz sobre a terra. E quem poderá dizer se bastará o medo para evitar uma guerra de aniquilamento total?”

Seeds of Destruction, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1964. p. 183
No Brasil: Sementes de destruição, (Editora Vozes, Petrópolis), 1966. p. 181-182
Reflexão da semana de 5-09-2005

22 agosto 2005

Amor egoísta de si

“ A inconstância e a indecisão são sinais de amor egoísta de si.

Se jamais conseguimos decidir com firmeza o que Deus quer para nós, mas constantemente damos voltas mudando de opinião, de uma prática para outra, de uma devoção para outra, de um método para outro, pode ser isso uma indicação de que o que queremos é contornar a vontade de Deus e fazer a nossa com uma consciência tranqüila.

Assim que o Senhor nos coloca num mosteiro, queremos ir para outro.

Logo que experimentamos uma forma de oração, queremos tentar outra. Estamos constantemente tomando resoluções e mudando-as por contra-resoluções. Interrogamos nosso confessor e não nos lembramos das respostas. Antes de terminar um livro, iniciamos a leitura de outro e a cada livro que lemos mudamos completamente o plano de nossa vida interior.

Em breve, não teremos mais vida interior. Toda a nossa existência será um labirinto de desejos confusos, sonhos vãos e veleidades, em que nada fazemos a não ser destruir a obra da graça. Pois tudo isso é apenas um vistoso e complicado plano subconsciente de nossa natureza para resistir a Deus, Cuja atuação em nossa alma exige o sacrifício de tudo que desejamos e em que nos satisfazemos, e, em realidade, o sacrifício de tudo que somos.

Permaneçamos, portanto, quietos e deixemos o Senhor fazer algum trabalho.

É isso que significa renunciar não só aos prazeres e ao que possuímos, mas até a nós mesmos.”
New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton
(New Directions, New York),1972. p. 260-261
No Brasil: Novas sementes de contemplação (Editora Fissus, Rio de Janeiro). 2001. p. 254-255
Reflexão da semana de 22-08-2005

08 agosto 2005

Acumulando bens e satisfações

“ O “eu” superficial do individualismo pode ser possuído, desenvolvido, cultivado, mimado, satisfeito; é o centro de todo nosso esforço na luta para acumular bens e satisfações, sejam eles materiais ou espirituais. Mas o “eu” profundo do espírito, da soledade e do amor não pode ser “obtido”, possuído, desenvolvido, aperfeiçoado. Só pode ser e agir de acordo com leis interiores e profundas que não são de fabricação humana, mas emanam de Deus. São as Leis do Espírito que, semelhante ao vento, sopra onde quer. Esse “eu” interior, que está sempre em soledade, é também sempre universal. Pois, nesse “eu” íntimo em extremo, minha soledade se encontra com a soledade de todos os homens e com a de Deus.
Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, CA), 1960. p. 207
No Brasil: Questões abertas, (Agir Editora, Rio de Janeiro), 1963. p. 230
Reflexão da semana de 8-08-2005

01 agosto 2005

O “eu” verdadeiro

“ Existe um outro “eu”, o “eu” verdadeiro, que atinge a plena maturidade na solidão e no vazio — e que pode, é evidente, começar a se manifestar e se desenvolver na dedicação verdadeira, sacrificial e criadora que pertence a uma autêntica existência social. Contudo, devemos notar que, mesmo essa maturação social do amor, implica, ao mesmo tempo, o crescimento de uma certa soledade interior.

Sem um certo grau de solidão, seja ela qual for, não há nem pode haver maturidade. A não ser que alguém se torne solitário e vazio, não poderá se dar a outros no amor, porque não possui o “eu” profundo que é o único dom digo do amor. E esse “eu” profundo, digamo-lo imediatamente, não pode ser possuido. Meu ser profundo não é uma “coisa” que eu conquisto ou “consigo” após longo combate. Não me pertence e não pode pertencer-me. Não é “qualquer coisa”, não é objeto. Sou “eu”.

Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, CA), 1960. p. 206-207
No Brasil: Questões abertas, (Agir Editora, Rio de Janeiro), 1963. p. 229-230
Reflexão da semana de 1-08-2005

25 julho 2005

A presença do dom

“ Há, na vida espiritual, uma fase em que encontramos Deus em nós — essa presença é um efeito criado do seu amor. É um dom de seu amor por nós. Permanece em nós. Todos os dons de Deus são bons. Mas, se neles nos detemos em lugar de repousar nele, perdem, para nós, a sua bondade. O mesmo sucede com esse dom.

Quando chega a hora determinada de passarmos a outras coisas, retira o Senhor o sentimento de sua presença, de maneira a fortalecer-nos a fé. É então inútil procurá-lo por meio de algum efeito psicológico. Inútil buscar qualquer sensação dele em nossos corações. Chegou a hora em que temos de sair de nós mesmos e subir acima de nós mesmos e achá-lo não mais dentro de nós, e sim, fora de nós e acima de nós (…) a serviço de nossos irmãos.
Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958. p. 54
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p. 45
Reflexão da semana de 25-07-2005

18 julho 2005

Ansiedade

“ Em nossa época, tudo tem de ser “problema”. Nosso tempo é de ansiedade, porque assim o quisemos. Nossa ansiedade não nos é imposta, à força, do exterior. Nós a impomos ao mundo em que vivemos e a impomos uns aos outros.

A santidade, numa tal época, significa, sem dúvida, transportar-se da região da ansiedade à região em que não existe ansiedade. Ou talvez signifique aprender de Deus a não ter ansiedade em meio à ansiedade.

No fundo, como realça Max Picard, provavelmente resume-se nisso: viver num silêncio que reconcilie as contradições dentro de nós a tal ponto que, embora em nós permaneçam, deixam de constituir um problema (World of Silence, p. 66-67).

Sempre existiram contradições na alma do homem. Entretanto, estas só se tornam um constante e insolúvel problema quando preferimos, ao silêncio, a análise. Não nos cabe resolver todas as contradições, e sim viver com elas e nos elevarmos acima delas, e considerá-las à luz de valores externos e objetivos que, por comparação, as tornam triviais.
Thoughts in Solitude, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux Publishers, New York), 1958. p. 84-85
No Brasil: Na liberdade da solidão, (Editora Vozes, Petrópolis), 2001. p. 67
Reflexão da semana de 18-07-2005

11 julho 2005

Atividade e descanso

“ Porque o nosso ser exige expressão em atos, não creiamos que, cessando de agir, cessamos de existir. Não vivemos só para “fazer alguma coisa”, não importa o quê. A atividade é justamente uma das expressões normais da vida, e a vida que ela expressa é tanto mais perfeita quanto mais ela se mantém numa ordenada economia de ação. Essa ordem exige sábia alternativa de atividade e descanso. Não vivemos mais plenamente por fazer mais, ver mais, provar mais e experimentar mais do que antes. Pelo contrário, alguns de nós precisamos descobrir que não começaremos a viver mais plenamente enquanto não tivermos a coragem de fazer, de ver, de provar e de experimentar muito menos do que de costume.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace Jovanovich Inc., New York), 1983. p. 122
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 113
Reflexão da semana de 11-07-2005

04 julho 2005

A ilusão do barulho

“ Os que amam o ruído que fazem, são impacientes com o resto. Desafiam constantemente o silêncio das florestas, das montanhas e do mar. Passeiam com suas máquinas, através da floresta silenciosa, em todas as direções, cheios de medo de que um mundo calmo os acuse de vazios. A pressa da sua velocidade, sob pretexto de um fim, simula ignorar a tranqüilidade da natureza. O avião ruidoso, por sua trajetória, por seu estrondo, por sua força aparente, parece por um momento negar a realidade das nuvens e do céu. Vai-se o avião, e fica o silêncio do céu. Afasta-se ele, e a tranqüilidade das nuvens permanece. O silêncio do mundo é que é real. O nosso barulho, os nossos negócios, os nossos planos e todas as nossas fátuas explicações sobre o nosso barulho, negócios e planos, tudo isso é ilusão.”

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace Jovanovich Inc., New York), 1983. p. 257
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 216
Reflexão da semana de 4-07-2005

27 junho 2005

Guerras de misericórdia

“ Apesar de todo seu pessimismo em relação à natureza humana, Agostinho não previu os resultados lógicos de seu pensamento e, no contexto original, suas “guerras de misericórdia” para defender uma ordem civilizada fazem um certo sentido. Sua idéia é sempre de que a Igreja e os cristãos, façam o que fizerem, almejam finalmente a paz. A deficiência do pensamento agostiniano reside, portanto, não nas boas intenções que prescreve, mas em uma ingenuidade excessiva em relação ao bem que pode ser alcançado por meios violentos que não podem senão suscitar o que há de pior no homem. Assim, infelizmente ouvimos, durante séculos, reis, príncipes, bispos, sacerdotes, pastores – e só Deus sabe a variedade de melífluos beatos bedéis e sacristãos -, instando seriamente todos os homens a pegarem em armas por amor e trucidarem misericordiosamente seus inimigos (inclusive outros cristãos)…”

The Nonviolent Alternative, de Thomas Merton
(Farrar, Straus, Giroux, New York, NY) 1980. p. 45
Reflexão da semana de 27-06-2005

20 junho 2005

Em silêncio, com Deus

“ O silêncio dos lábios e da imaginação dissolve o que nos separa da paz das coisas, que só existem para Deus e não para si. Mas o silêncio de todo o desejo desordenado elimina a barreira que nos separa de Deus. Então passamos a viver só Nele.

No Man is an Island, de Thomas Merton
(Harcourt, Brace Jovanovich Inc., New York), 1983. p. 256
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p. 216
Reflexão da semana de 20-06-2005

13 junho 2005

Reparta sua paz

“ Afinal, a paz não é, talvez, algo para o qual se trabalhe ou “para o qual se lute”. De fato, a “luta pela paz” é que inicia todas as guerras. Quais são, afinal, os pretextos de todas essas crises de guerra fria senão “a luta pela paz”? Paz é algo que temos, ou não temos. Se um de nós está em paz, então há ao menos alguma paz no mundo. Reparta, pois, sua paz com todos, e todos estarão em paz.”

Conjectures of a Guilty Bystander de Thomas Merton
(Image Books, uma divisão da Doubleday & Co., Garden City, NY), 1968. p. 200
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 231
Reflexão da semana de 13-06-2005

06 junho 2005

Sinais de esperança

“ Embora tenhamos o poder de destruir o mundo inteiro, a vida é mais forte do que o instinto da morte. O amor é mais forte do que o ódio. Não há sentido lógico em entregar-se demasiadamente à esperança, mas, repito, não é isso uma questão de lógica, e não se procuram nos jornais sinais de esperança ou nos pronunciamentos dos líderes mundiais (nesses, raramente há algo que dê esperança, pois aquilo que pretende ser animador é, em geral, de tal maneira vazio de esperança que somos levados ao quase desespero). Porque existe amor no mundo e porque Cristo assumiu nossa natureza, permanece sempre a esperança de que o homem, finalmente, depois de cometer muitos erros e ocasionar muitos desastres, haverá de aprender a desarmar-se e promover a paz. Há de reconhecer que tem de viver em paz com seu irmão. Contudo, nunca estivemos menos dispostos a realizar tal coisa.

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Image Books, uma divisão da Doubleday & Co., Garden City, NY), 1968. p. 214
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 249
Reflexões da semana de 6-06-2005

23 maio 2005

A capacidade de amar

“ A maior dignidade do homem, seu poder essencial e peculiar, o segredo mais íntimo daquilo que constitui sua humanidade, é a capacidade que ele tem de amar. Esse poder escondido nas profundezas da alma humana imprime no homem a imagem e semelhança de Deus. Diferentes das demais criaturas que nos cercam, temos o poder de penetrar no mais íntimo santuário do nosso próprio ser. Podemos penetrar em nós como em templos de liberdade e de luz. Podemos abrir os olhos de nosso coração e contemplar face a face Deus, nosso Pai. Podemos com Ele falar e ouvir-lhe a resposta. E Ele nos diz não apenas que somos chamados a viver como homens e dominar o mundo, mas que temos uma vocação ainda mais elevada. Somos seus filhos.”

Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, CA), 1960. p. 98
No Brasil: Questões abertas, (Agir Editora, Rio de Janeiro), 1963. p. 116
Reflexões da semana de 23-05-2005

16 maio 2005

O poder sobre o mundo e a infelicidade

“ A infelicidade do homem parece ter aumentado na proporção do seu poder sobre o mundo externo. E, se alguém pretende possuir uma resposta pronta a esse fato, tome cuidado para não ser também vítima de uma ilusão. Pois, afinal, não deveria isso necessariamente ser assim. Deus fez o homem rei da criação, e toda ciência digna desse nome participa, de algum modo, da sabedoria e da providência do Criador. Mas a desordem está em que as realizações da sabedoria, do conhecimento e poder do homem não têm valor real algum para o mundo em que vive, se não participam do amor misericordioso de Deus. Nada conseguem para torná-lo feliz e não tornam manifesta ao mundo a glória de Deus.

Disputed Questions, de Thomas Merton
(Harcourt Brace Jovanovich, San Diego, CA), 1960. p. 98
No Brasil: Questões abertas, (Agir Editora, Rio de Janeiro), 1963. p. 115-116
Reflexão da semana de 16-05-2005

09 maio 2005

Respostas obrigatórias

“ Tenho uma profunda desconfiança de todas as respostas obrigatórias. O grande problema de nosso tempo não é formular respostas claras para questões teóricas bem apresentadas (…) A maneira de encontrar o verdadeiro “mundo” não está em apenas observar e medir o que se acha fora de nós, mas sim em descobrir o íntimo de nosso ser. Pois é aí que se encontra o mundo em primeiro lugar: no meu mais profundo eu. Mas acontece que descubro ali que o mundo é bem diferente das “respostas obrigatórias”. Essas “bases”, esse “mundo” onde estou misteriosamente presente ao mesmo tempo a mim mesmo e às liberdades de todos os homens, não é um objetivo visível e uma determinada estrutura com leis fixas e exigências. É um mistério vivo e autocriador do qual sou uma parte, e para o qual sou a única porta de acesso. Quando encontro o mundo no mais profundo do meu ser, é-me impossível ser por ele ‘alienado’.”

Contemplation in a World of Action, de Thomas Merton
(Image Books, uma divisão da Doubleday & Co., Garden City, NY), 1973. p. 168 e 170
No Brasil: Contemplação num mundo de ação, (Editora Vozes, Petrópolis), 1975. p. 152 e 154
Reflexões da semana de 9-05-2005

02 maio 2005

O divino na natureza das coisas

“ Verdadeiro tempo de primavera — estes são os dias quando tudo muda. Brotam folhas em todas as árvores e o começo de um verde frescor do novo verão permeia as colinas. Insubstituível pureza desses dias escolhidos por Deus como seu sinal!

Mistura do celestial com a angústia. Ver subitamente o celestial, por exemplo, no branco puro das flores da macieira contra um fundo de pinheiros escuros num jardim nublado. O celestial também na canção do pássaro desconhecido que lá está de passagem, talvez apenas por estes dias, profunda e simples canção de amor. Arrebata-me esta ‘celestialidade’ como eu fosse uma criança — uma mente de criança que nada fiz por merecer e que é minha própria parte na primavera celestial. Não é deste mundo, nem por mim foi criada. Nascida, em parte, de angústia física (que, entretanto, não está realmente ali. Vai-se depressa). A percepção de que o celestial é a verdadeira natureza das coisas, não sua natureza, e sim o fato de que são um dom de amor e de liberdade.”

A Year with Thomas Merton, Daily Meditations from His Journals
Selecionado e editado por Jonathan Montaldo
(HarperSanFrancisco, A Division of HarperCollinsPublishers, New York), 2004, p. 120.
Reflexões da semana de 02-05-2005

25 abril 2005

Humildade, sinal de força

“ O humilde consegue grandes coisas com perfeição invulgar porque não está mais preocupado com incidentes tais como seus próprios interesses e sua reputação; não necessita, portanto, de gastar suas forças, defendendo-os.

Pois o homem humilde não tem medo do fracasso. Na verdade, não tem medo de coisa alguma, nem de si mesmo, já que a perfeita humildade implica perfeita confiança no poder de Deus, diante do qual nenhum outro poder tem sentido e para quem não existe nenhum obstáculo.

A humildade é o sinal mais seguro da força.

New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton.
(New Directions, New York), 1972. p. 190
No Brasil: Novas sementes de contemplação (Editora Fissus, Rio de Janeiro). 2001. p. 188
Reflexão da semana de 25-04-2005

18 abril 2005

Sabedoria, a Mãe de tudo

Há em todas as coisas visíveis uma fecundidade invisível, uma luz tênue, um manso anonimato, uma oculta inteireza. Essa misteriosa Unidade e Integridade é a Sabedoria, a Mãe de tudo, Natura Naturans. Há em todas as coisas uma inesgotável doçura e pureza, um silêncio que é a fonte de ação e de alegria. Transborda em calada bondade e flui para mim de invisíveis raízes de todos os seres criados, acolhendo-me ternamente, saudando-me com indescritível humildade. Isto é ao mesmo tempo meu próprio ser, minha própria essência e o Dom do Pensamento e da Arte do meu Criador dentro de mim, falando como Hagia Sophia, falando como minha irmã, Sabedoria.
Estou desperto, nasci de novo ao ouvir a voz dessa minha Irmã, que me foi enviada das profundezas da divina fecundidade.”

When the trees say nothing, de Thomas Merton
Editado por Kathleen Deignan
(Sorin Books, Notre Dame, Indiana), 2003. p. 179.
Publicado originalmente in Emblems of a Season of Fury
(J. Laughlin, Norfolk, CT), 1963. p. 6
Reflexão da semana de 18-04-2005

11 abril 2005

Dever humano e crise

“ Basicamente, nosso primeiro dever hoje é para com a verdade humana na sua realidade existencial; isto, mais cedo ou mais tarde, leva-nos a um confronto com o sistema e o poder que procuram subjugar a verdade para atender a interesses particulares, talvez racionalizados como ideais. Mais cedo ou mais tarde, o dever humano apresenta-se sob a forma de uma crise de que não se pode fugir. Nessa hora é muito bom, quase essencial, ter ao lado outras pessoas igualmente determinadas, e assim ser guiados por uma inspiração comum e uma comunhão na verdade. Aqui pode ser encontrada a verdadeira força. Uma testemunha completamente isolada é muito mais difícil e perigosa. No final, isto também pode se tornar necessário. Em todo o caso, sabemos que a nossa força, em última instância, está no Senhor e em Seu Espírito, e a fé deve fazer-nos depender inteiramente de Sua vontade e providência. Precisamos então estar realmente desapegados e livres para nos deixarmos deter ou impedir por qualquer coisa secundária ou irrelevante. Isto é outro modo de dizer que a pobreza é também nossa força.”

The Courage for Truth: The Letters of Thomas Merton to Writers
Selecionado e editado por Christine M. Bochen
(Farrar, Straus & Giroux, New York), 1983. p. 159
Reflexão da semana 11-04-2005

04 abril 2005

Um novo modo de ser

Em memória do Papa João Paulo II

“ Venho à solidão para morrer e amar. Venho aqui para ser criado pelo Espírito em Cristo.

Sou chamado aqui para crescer. A ‘morte’ é um ponto crítico no crescimento, ou transição para um novo modo de ser; para uma maturidade e uma fecundidade que não conheço (estão em Cristo, no seu reino). A criança no ventre materno não sabe o que vem após o nascimento. Temos que nascer para viver. Estou aqui para aprender a encarar a morte como meu nascimento.”

A Year with Thomas Merton, Daily Meditations from His Journals
Selecionado e editado por Jonathan Montaldo
(HarperSanFrancisco, A Division of HarperCollinsPublishers, New York), 2004, p. 31
Reflexões da semana de 4-04-2005

28 março 2005

A força que nos é dada

“ Agora, com a ressurreição de Cristo, o poder da Páscoa irrompeu sobre nós. Agora, encontramos em nós uma força que não é nossa e que nos é dada livremente sempre que dela necessitamos, elevando-nos acima da Lei, dando-nos uma nova Lei que se acha escondida em Cristo: a lei de seu amor misericordioso. Agora, não mais nos esforçamos por sermos bons porque somos obrigados a isso, porque é um dever, e sim porque é uma alegria agradar ao Senhor que nos deu todo o seu amor! Agora, nossa vida esta repleta de sentido!

(…) Para compreender a Páscoa e vivê-la, temos de renunciar ao nosso temor da novidade e da liberdade!”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 145-146
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 148-149

Reflexões da semana de 28-03-2005

21 março 2005

A vontade de Deus

“ Como posso conhecer a vontade de Deus? Mesmo onde não há uma exigência mais explícita em relação à minha obediência, como seria no caso de uma ordem ou de um mandamento legítimos, a própria natureza de cada situação geralmente traz consigo alguma indicação da vontade de Deus. Pois tudo que é exigido pela verdade, pela justiça, pela misericórdia, ou pelo amor, deverá certamente ser tido como vontade de Deus.”
New Seeds of Contemplation, de Thomas Merton.
(New Directions, New York), 1972. p. 18
No Brasil: Novas sementes de contemplação (Editora Fissus, Rio de Janeiro). 2001. p. 27
Reflexões da semana de 21-03-2005

14 março 2005

A vida é imperfeita

“ Não podemos deixar de errar o principal em quase tudo que fazemos. Que tem isso? A vida não é questão de tirar algo de cada coisa. A vida em si é imperfeita. Todas as coisas criadas principiam a morrer na mesma hora em que começam a viver, e ninguém espera de qualquer delas que chegue a uma absoluta perfeição e muito menos que nela se mantenha. Cada indivíduo é apenas um esboço da perfeição específica prevista para o seu gênero. Por que exigir mais do que isso?”

Extraído do livro No Man is an Island de Thomas Merton
(Harcourt, Brace Jovanovich Inc., New York), 1983. p. 128
No Brasil: Homem algum é uma ilha, (Verus Editora, Campinas), 2003. p.118
Reflexão da semana de 14-03-2005

07 março 2005

Uma pessoa humana integrada

“ O pior que pode acontecer a uma pessoa já dividida em uma dúzia de compartimentos diferentes é você criar mais um e dizer a ela que esse é mais importante que todos os demais e que, daí em diante, ela deve dedicar um cuidado especial em mantê-lo separado dos outros. É o que costuma acontecer quando a contemplação é erroneamente lançada, sem prévio aviso, sobre a perplexidade e a distração do homem ocidental. As tradições orientais têm a vantagem de predispor as pessoas, mais naturalmente, para a contemplação.

A primeira coisa a fazer antes de começar a pensar sobre algo como a contemplação é tentar resgatar sua unidade natural básica, reintegrar o seu ser compartamentado em um todo coordenado e simples, e aprender a viver como uma pessoa humana integrada. Isto significa que terá que recolher os fragmentos de sua existência distraída, de forma que, quando disser 'eu', haverá alguém realmente presente para sustentar o pronome que pronunciou.”

Seeds, editado por Robert Inchausti
(Shambhala Publications: Boston & London), 2002. p. 84-85
Publicado originalmente in Cistercian Quarterly Review #18 (1983). p. 3
Reflexão da semana 7-03-2005

28 fevereiro 2005

O frenesi do ativista

“ Douglas Steere observa com muita justeza que existe, hoje em dia, uma forma penetrante de não-violência à qual o idealista que luta pela paz por métodos não-violentos sucumbe com grande facilidade: o ativismo e o excesso de trabalho. A correria e a pressão exercida pelo ritmo da vida moderna são uma forma, talvez a forma mais comum de sua violência radical. Deixar-se levar pela multidão de preocupações em conflito, entregar-se a múltiplas exigências, engajar-se em demasiados projetos, querer ajudar a todos em tudo, é sucumbir à violência. Mais que isso, é cooperar com a violência. O frenesi do ativista neutraliza seu trabalho pela paz. Destrói sua capacidade interior de paz. Destrói a possibilidade que tem seu trabalho de dar fruto, porque aniquila a raiz da sabedoria interior que torna o trabalho frutuoso.

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Image Books, uma divisão da Doubleday & Co., Garden City, NY), 1968. p. 86
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 99
Reflexões da semana de 28-02-2005

21 fevereiro 2005

O melhor não é o ideal

“ O que é terrível em nossa época é precisamente a facilidade com que as teorias podem ser postas em prática. Quanto mais perfeitas, quanto mais idealistas são as teorias, tanto mais horrendas sua realização. Estamos enfim começando a redescobrir o que os homens conheciam talvez melhor nos tempos muito remotos, nos tempos primitivos, antes que se pensassem em utopias: que a liberdade está vinculada à imperfeição e que limitações, imperfeições, erros são não somente inevitáveis, mas até salutares.

O melhor não é o ideal. Onde aquilo que é teoricamente melhor é imposto a todos como norma, não há mais lugar nem mesmo para ser bom. O melhor, imposto como norma, torna-se um mal.”

Conjectures of a Guilty Bystander, de Thomas Merton
(Image Books, uma divisão da Doubleday & Co., Garden City, NY), 1968. p. 96
No Brasil: Reflexões de um espectador culpado, (Editora Vozes, Petrópolis), 1970. p. 111
Reflexões da semana de 21-02-2005

14 fevereiro 2005

Unido à vontade de Deus

“ Por fim, a respeito de estar unido à vontade de Deus: não estou dizendo que você deveria formular isso em palavras com freqüência, e sim desenvolver a consciência habitual e a convicção de que está completamente em Suas mãos e de que o Seu amor está cuidando em tudo de você, que não precisa preocupar-se demais com coisa alguma — passada, presente ou futura —, desde que esteja tentando sinceramente fazer o que Ele parece lhe pedir. E, claro, com isso me refiro apenas ao que é exigido pelas óbvias necessidades do momento, tais como os deveres de estado, as pessoas com quem se encontra, os acontecimentos a serem enfrentados, as doenças, os erros, etc. ‘Quando faminto, coma; quando cansado, durma’.”

The Hidden Ground of Love, de Thomas Merton
Editado por William H Shannon
(Farrar, Straus & Giroux, New York), 1985. p. 526
Reflexão da semana 14-02-2005

07 fevereiro 2005

Lançando fora o temor

“ A finalidade da Quaresma não é só expiação para satisfazer a justiça divina; é, sobretudo, uma preparação para nos alegrarmos em seu amor. E essa preparação consiste em receber o dom de sua misericórdia — dom que recebemos na medida em que lhe abrimos nosso coração, lançando fora o que não pode permanecer juntamente com a misericórdia.

Ora, uma das primeiras coisas que devemos lançar fora é o temor. O temor estreita ainda mais a pequena entrada de nosso coração, diminui nossa capacidade de amar. Resfria nossa capacidade de nos darmos. Se estivéssemos aterrorizados diante de Deus como diante de um juiz inexorável, não esperaríamos, confiantes, sua misericórdia, nem nos aproximaríamos dele confiantemente, na oração. Nossa paz, nossa alegria, na Quaresma, são uma garantia da graça.”

Seasons of Celebration, de Thomas Merton
(Farrar, Straus and Giroux, New York), 1965. p. 116
No Brasil: Tempo e Liturgia, (Editora Vozes, Petrópolis), 1968. p. 120-121
Reflexões da semana de 7-02-2005

31 janeiro 2005

O dom da vida

“ Por que será que meio que me convenci que morreria cedo? Talvez uma certa superstição — um medo de admitir uma esperança de vida que, se assumida, poderia ter que ser esmagada. Mas agora já “vivi” um razoável período de vida e que, se isto é importante ou não, nada pode alterá-la. Isto é certo, infalível mesmo, embora isto também seja somente um tipo de sonho. Se não chegar aos sessenta e cinco, terá ainda menos importância. Posso descansar. Mas a vida é um dom que me alegra e não lastimo o dia em que nasci. Muito ao contrário, se não tivesse nascido jamais poderia ter tido amigos para amar e ser amado, não teria cometido erros para aprender com eles, não teria conhecido novos países e, apesar do que eu possa ter sofrido, isto não tem conseqüências pois é, em verdade, parte do grande bem que a vida tem sido e espero, continuará a ser.”

A Year with Thomas Merton, Daily Meditations from His Journals
Selecionado e editado por Jonathan Montaldo
(HarperSanFrancisco, A Division of HarperCollinsPublishers, New York), 2004, p. 31.
Reflexões da semana de 31-01-2005

24 janeiro 2005

Angústia de parecer pecador

“ Não pode haver dúvida, nenhuma transigência, na minha decisão de ser completamente fiel à vontade e à verdade de Deus, e por isso devo procurar sempre e em tudo agir de acordo com Sua vontade e Sua verdade, e assim procurar, com sua graça, ser ‘santo’.

Não deve haver dúvida, nenhuma transigência nos meus esforços, para que eu não falseie esse trabalho de verdade por dar excessiva importância ao que outros aprovam ou consideram como ‘santo’. Em suma, pode acontecer (ou não) que o que Deus pede de mim me faça parecer menos perfeito aos olhos de outros, e que isso poderá me privar de seu apoio, afeto ou respeito. Portanto, santificar-me pode significar a angústia de parecer um pecador, um paria, e, num sentido real, “sê-lo”. Isto pode significar um aparente conflito com certos critérios talvez mal compreendidos por mim, por outros ou por todos nós.

O jeito é apegar-me à vontade e à verdade de Deus em sua pureza e tentar ser sincero, agindo em tudo com genuíno amor, na medida do possível.”

A Year with Thomas Merton, Daily Meditations from His Journals
Selecionado e editado por Jonathan Montaldo
(HarperSanFrancisco, A Division of HarperCollinsPublishers, New York), 2004, p. 370

Reflexão da semana de 24-01-2005

17 janeiro 2005

Para entender a alienação

“ Para entender a alienação, temos que descobrir aonde vai sua mais profunda raiz central — e entender que esta raiz nunca desaparecerá. A alienação é inseparável da cultura, da civilização e da vida em sociedade. Não é só uma característica de ‘culturas ruins’, de civilizações ‘corruptas’ ou da sociedade urbana. Não é só um duvidoso privilégio de algumas pessoas na sociedade. A alienação começa quando a cultura me divide contra mim mesmo, me põe uma máscara, me atribui um papel que posso querer desempenhar ou não. A alienação é completa quando me identifico completamente com minha máscara, totalmente satisfeito com meu papel e convencido de que qualquer outra identidade ou papel é inconcebível. O homem que transpira sob sua máscara, cujo papel lhe dá irritações desconfortáveis e que odeia essa sua divisão, já começou a ser livre. Mas que Deus o ajude se ele apenas deseja a máscara de outro homem, só porque este não parece estar suando ou sentindo coceiras. Talvez não ele seja mais suficientemente humano para sentir coceiras. (Ou então paga um psiquiatra que o coça.)

The Literary Essays of Thomas Merton
Editado por Patrick Hart, OCSO
(New Directions, New York), 1981. p. 381
Reflexão da semana de 17-01-2005

10 janeiro 2005

Soluções que a vida fornece

“ Há uma certa inocência em não ter uma solução. Há uma certa inocência num tipo de desesperança: mas só se na desesperança encontrarmos salvação. Quero dizer, desesperança em relação a este mundo e tudo o que nele existe. Desesperança em relação aos homens e seus planos, para assim esperar pela resposta impossível que está além de nossas contradições terrenas e que, contudo, pode irromper em nosso mundo e resolvê-las, mas apenas se alguns esperarem apesar da desesperança.

As verdadeiras soluções não são aquelas que forçamos sobre a vida de acordo com nossas teorias, e sim aquelas que a própria vida fornece aos que se dispõem a receber a verdade. Como conseqüência, cabe-nos tomar distância de todos aqueles que têm teorias que prometem soluções claras e infalíveis, e desconfiar dessas teorias, não com um espírito de negativismo e derrota, mas, ao contrário, confiando na própria vida, na natureza e, se me permitem, em Deus acima de tudo. Porque desde que decidiu ocupar o lugar de Deus, o homem tem se mostrado, de longe, o mais cego, o mais cruel, o mais mesquinho e o mais absurdo de todos os falsos deuses. Só podemos nos dizer inocentes se nos recusarmos a esquecer desse fato e fizermos tudo para que outros também o percebam.”

Raids on the Unspeakable, de Thomas Merton
(New Directions, 1966), 1966. p. 60-61
Reflexão da semana de 10-01-2005

03 janeiro 2005

Olhando o universo

“ Ou você olha para o universo como uma criação muito pobre donde nada se pode extrair ou olha para sua própria vida e seu próprio papel no universo como infinitamente rico, pleno de inesgotável interesse, aberto a outras infinitas possibilidades para estudo e contemplação, interesse e louvor. Além de tudo e em tudo está Deus.”

When the Trees Say Nothing, Writings on Nature, de Thomas Merton
Editado por Kathleen Deignan com um prefácio de Thomas Berry
(Sorin Books, Notre Dame, Indiana), 2003, p. 48
Publicado orginalmente in A Search for Solitude, de Thomas Merton
Editado por Lawrence S. Cunningham
(HarperCollins Publishers, New York), 1996, p. 45
Reflexão da semana 3-01-2005