07 setembro 2004

A Vida Silênciosa


trecho final do Prólogo

(...)
Este livro é uma meditação sobre a vida monástica, por alguém que, sem nenhum mérito seu, tem o privilégio de conhecer essa vida por dentro. Se há nestas páginas algo de valor, vem, não de algum talento especial do autor; este procura apenas servir de porta-voz a uma tradição multissecular, como indigno descendente de S. Bento e dos primeiros Apóstolos, a quem todos os monges consideram como seus Pais espirituais.

Assim como nada há de mais detestável do que a tentativa de fazer propaganda da vida monástica, não há coisa mais agradável que a esperança de poder tornar mais conhecido o mistério íntimo de uma vida tão rica da misericórdia e bondade de Deus.

Nestas páginas consideraremos primeiramente alguns dos aspectos da vida monástica como tal. Em seguida, falaremos das mais importantes Ordens monásticas que florescem na Igreja, na época atual. É nossa intenção dar uma ideia do espírito monástica como se encontra entre os cenobitas (beneditinos e cistercienses) e os eremitas (cartuxos e camaldulenses).

Falando da sublimidade do ideal monástico a da excelência desse modo de vida particular, de maneira alguma queremos dar a impressão de que as Ordens monásticas sejam, por sua própria natureza, superiores aos outros institutos religiosos. Pois, afinal, a dignidade principal do monge encontra-se no fato de ter ele abandonado todo espírito de concorrência e a busca da glória humana, contentando-se em ser o último de todos. Mais exatamente falando, não tem o monge uma norma que lhe permita comparar-se aos outros religiosos. Seus olhos não estão voltados para os campos de batalha da planície, dirigem-se para o deserto onde Cristo será visto novamente, à direita do Pai, vindo na glória sobre as nuvens do céu.

O horizonte monástico é, nitidamente, o do deserto. Mesmo quando escreve para cristãos no mundo, ou pinta para alguma paróquia ou comunidade a imagem de Cristo-Rei, tem o monge seu rosto voltado para o deserto. Seus ouvidos não estão atentos aos ecos do apostolado que investe sobre a cidade de Babilônia, e sim ao silêncio das longínquas montanhas em que os exércitos de Deus e do inimigo se defrontam em misterioso combate, do qual a luta no mundo é apenas pálido reflexo.
A Igreja monástica é a Igreja do deserto, é a Mulher que fugiu para o ermo, a fim de escapar do dragão que procura devorar o Verbo Menino. É a igreja que, por seu silêncio, nutre e protege a semente do Evangelho plantada pelos apóstolos no coração dos fiéis. É a Igreja que, pela oração, obtêm a fortaleza para os apóstolos, eles próprios tantas vezes oprimidos pelo monstro. A igreja monástica é a que foge para um lugar especial que lhe foi preparada por Deus no deserto e esconde seu rosto no Mistério do silêncio divino, e ora enquanto se desenrola a luta do grande combate entre a terra e o céu.

Sua fuga não é uma evasão. Se o monge fosse capaz de compreender o que se passa dentro dele, poderia dizer que muito bem sabe como o combate está sendo travado em seu próprio coração.

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